POR FELIPE PENA, jornalista, escritor e professor de jornalismo na UFF. Doutor em literatura pela PUC, com pós-doutorado em semiologia da Imagem pela Sorbonne 3, finalista do prêmio Jabuti com o livro “No jornalismo não há fibrose”
O historiador Jean Lacouture, expoente da Escola dos Anais, na França, dizia que os jornalistas roem as avelãs dos fatos com muita intensidade, sem tempo para a digestão.
Pode ser. Nossa indigestão com o que acontece diariamente no Brasil do desgoverno Temer precipita a interpretação. Mas, se o papel da história é prover o antiácido, acredito que, neste caso, ele será ineficaz. Mesmo no curto prazo histórico não é difícil perceber que o estado democrático de direito não está vigorando no país desde o dia 12 de maio de 2016.
De qualquer forma, selecionei 6 fatos da segunda semana de janeiro de 2017 (avelãs roídas com calma?) e outros 4 mais recentes para comprovar a tese do título. Não, as instituições não estão funcionando.
Em janeiro:
– Um oficial de justiça vai entregar uma intimação ao presidente do Senado, Renan Calheiros. Renan o deixa horas esperando e não recebe a intimação.
– Outro oficial de justiça vai à casa de 700 famílias pobres em SP. Está acompanhado pela tropa de choque da PM. Moradores são humilhados e expulsos.
– A PM Paulista apresenta como justificativa para a prisão de Guilherme Boulos uma interpretação tosca da já vilipendiado teoria do Domínio de Fato.
– A Lava Jato não consegue encontrar José Sarney para intimá-lo a depor. Antes, já não conseguira encontrar Claudia Cruz, mulher de Eduardo Cunha.
– Um Delegado da Lava Jato afirma à Veja que o “timing” para prender Lula passou, confessando que a existência ou não de provas não tem a menor importância.
– O reitor e uma estudante da UFRJ são processados pelo Ministério Público por terem se manifestado contra o impeachment de Dilma Roussef.
Em fevereiro e março:
– Um juiz do Supremo cansa de dar entrevistas antecipando votos sobre temas que ainda irá julgar.
– Um juiz de Curitiba é constantemente visto em eventos de natureza empresarial acompanhado dos adversários políticos de um réu que irá julgar. Também participa do lançamento de obras contrárias ao réu e lhe atribui, em linguagem direta, a autoria de fatos ilícitos, ainda que a título de informação. (Nem vou mencionar a liberação dos grampos ilegais para a imprensa porque foi no ano passado).
– O ministério público quer impor à sociedade um pacote de medidas que inclui a restrição do habeas corpus e a validação de provas ilícitas.
– O legislativo faz seu papel ao analisar e emendar as medidas do MP. O STF invalida o trabalho legislativo e manda o projeto voltar para a câmara e seguir com o texto original, sem a interferência dos deputados.
Estes são apenas 10 fatos elencados por um jornalista. Deixo as avelãs da interpretação para os historiadores. Daqui a 20 ou 30 anos talvez tenham a correta digestão desses fatos.
Talvez até encontrem um nome para esse período:
GOLPE.