Meio século de Beach Boys, e estamos, Erika e eu, na Wembley Arena, em Londres, vendo um dos espetáculos da turnê comemorativa internacional.
Nenhuma banda fez harmonias vocais tão belas quanto o Beach Boys. Os Beatles, em certos momentos, como em Because, chegaram perto, mas não mais que isso.
Sou relativamente jovem para os padrões da platéia na Wembley Arena. A maior parte das pessoas está entre 60 e 70, e elas estão claramente felizes, como se tivessem encontrado um velho amigo querido.
Penso que muitos ali vão sentir dores nas costas no dia seguinte por se chacoalharem mais que o devido para a idade. Mas a cada dia bastam seus problemas, e não há como economizar energias quando você ouve canções como I Get Around, Barbara Ann e Fun, Fun, Fun.
O Beach Boys seriam apenas uma boa banda de rock de praia se não fosse por um elepê: Pet Sounds. Pet Sounds entra em qualquer lista curta dos maiores discos do rock. Foi um fracasso comercial, porque o público queria músicas menos sofisticadas. Mas, artisticamente, foi a obra que deu ao Beach Boys uma grandeza sobre a qual o tempo não terá efeito.
Pet Sounds tem maravilhas como God Only Knows e Would’n it be Nice?, mas é aquele disco que você ouve inteiro, e depois ouve mais uma vez, e é tanta a beleza que, no calor da audição, você chega a acreditar que a vida pode fazer algum sentido.
Pet Sounds é produto do grande gênio do Beach Boys, Brian Wilson. Depois de ouvir Rubber Soul dos Beatles, ele concluiu, com razão, que sua banda estava fazendo música infantil se comparada aos avanços dos meninos de Liverpool.
Isso foi em meados de 1960.
Brian Wilson se afastou da banda por um tempo e se trancou num estúdio com um letrista de gênio para responder aos Beatles. Veio Pet Sounds. Na época, Paul McCartney disse que God Only Knows era a música mais linda que ele jamais ouvira. (Os Beatles depois responderiam com Sgt Pepper’s, e para isso nem Brian Wilson e nem ninguém no rock encontrou algo digno de comparação.)
Em 1970, para usar a grande frase de Lennon, o sonho acabou. Os Beatles se separaram. E o Beach Boys nunca mais fez nada como Pet Sounds. Brian Wilson, como outros músicos de sua geração, passou a viver num universo paralelo mental.
O rock, como movimento inovador, ainda teria uma sobrevida, graças a colossos como Led Zepellin, Jethro Tull e Yes, mas o melhor já ficara no passado. Ficou tão ruim e vulnerável o rock que, nos anos 1970, ele foi presa fácil para a abominável disco music de Donna Summer, Gloria Gaynor et caterva. Tivemos que suportar Travolta dançando como um débil mental em Embalos de Sábado à Noite.
Mas na Wembley Arena é como se estivéssemos nos bons tempos. Dois telões vão passando imagens de dias em que os jovens riam, dançavam, trepavam como coelhos graças à chegada da pílula – mas também eram capazes de ir para as ruas e em protestos épicos acabar com uma guerra como a do Vietnã.
A turnê de 50 anos é um momento de júbilo e de celebração. Mas é também um reencontro doloroso com perdas. Dos quatro irmãos que fundaram o Beach Boys dois estão mortos, e recebem homenagens. Em dois telões no palco passam imagens dos mortos, Carl e Dennis Wilson, em canções associadas a eles.
É de Carl a voz sublime de God Only Knows. E Dennis, o baterista, aparece no espetáculo em Forever. A tecnologia permite que seja deles mesmos a voz nestas duas músicas, God Only Knows e Forever, como se ambos estivessem ali no palco, com seus irmãos sobreviventes.
Dennis foi, dos quatro, o legítimo beach boy. Era o bonitão bronzeado, um garoto do mar, do surfe, da prancha, das ondas. Jamais se recuperou do final do grupo. Bebia demais, e morreu afogado depois de tropeçar na beirada de um barco.
Era uma figuraça. Uma vez, para tentar reconquistar a mulher pela qual estava apaixonado – vocalista e estrela do Fleetwood Mac –, Dennis encomendou a um jardineiro uma decoração suntuosa no jardim da mansão do casal. Depois, ela descobriu que ele usara o cartão dela para pagar a conta astronômica.
As imagens de Dennis jovem nos telões vão bater em mim e me remetem a minhas próprias perdas. É como se em meu próprio telão aparecesse outra pessoa. Paulo Eduardo, meu primo e compadre.
Crescemos juntos, ainda que geograficamente distantes. Mesma idade. Ambos de 1956, ele de agosto, eu de maio.
Soube que ele estava doente por minha afilhada Juliana, caçula de Paulo. Foi em abril, e ela estava passando uma temporada aqui em Londres.
A notícia me levou a pensar nele como nunca eu fizera, na tentativa de conhecê-lo e entendê-lo melhor, e de alguma forma com isso também conhecer e entender melhor a mim mesmo.
Enxerguei nele, sempre, a timidez. Mas nunca tinha me dado conta de que Paulo Eduardo, entre todos os primos, e somos uma família enorme, foi o único corajoso e determinado o suficiente para largar um emprego seguro – o Banespa, nos anos 1980 – para empreender no interior do Brasil.
Legou à mulher Elaine e aos três filhos, João, Gabriela e Juliana, não apenas um negócio bem estabelecido no ramo dos postos de gasolina – mas também o exemplo de quem não tem medo de correr riscos.
Para mim, eu que estou prestes também a empreender – com um site de notícias e análises – meu primo Paulo Eduardo será, sempre, a grande inspiração em minha nova vida como empreendedor.