2023, ano de derrotas para o imperialismo. Por Lejeune Mirhan

Atualizado em 8 de janeiro de 2024 às 17:32

Por Lejeune Mirhan*

Em todos os finais de ano tenho escrito balanços de como foram esses períodos, e apresento minhas perspectivas de como será o próximo ano. Opiniões e concepções de como estamos hoje no mundo e de como possivelmente ele será em 2024.

Primeiro apresentarei o balanço de 2023, dividido em seis blocos, apresentando a seguir as perspectivas de 2024, que não são previsões, pois eu não sou profeta e não tenho vocação para isto. 

Se eu pudesse resumir o que foi 2023 eu diria que: 1. Foi um ano de avanço das forças antiimperialistas e de derrotas dos Estados Unidos; 2. Há uma gradativa perda de poder político, econômico e militar do império; 3. Estamos fortalecendo o mundo multipolar.

Três pontos de tensão

Indiscutivelmente, um desses pontos é a guerra que se trava na fronteira da Ucrânia com a Rússia. É uma guerra interminável. O imperialismo, que quis fazer dessa guerra uma derrota e um esmagamento da Rússia, já perdeu a guerra. Mas não autoriza o governo fantoche de Zelensky a iniciar com a Rússia um processo de paz.

No limite, até se esse processo se iniciasse, não há mais nada que a Rússia possa ceder em conversações de paz. Todos os seus objetivos foram alcançados e a questão territorial, quatro importantes províncias ucranianas do Leste já foram anexadas ao território russo, por decisão soberana de seus habitantes na forma plebiscitaria e a Duma de Estado já os incorporou ao mapa da Rússia. Mais adiante, entrarei em detalhes sobre esse conflito.

O segundo ponto de tensão é a guerra contra os palestinos. Os EUA fecham o ano de 2023 com duas guerras em andamento e estão perdendo em ambas as guerras. Na Palestina, em que pesem já termos ultrapassado a marca de 21 mil palestinos mortos – dos quais 15 mil mulheres e crianças – Israel já perdeu essa guerra.

E não se mede vitória ou derrota em uma guerra pelo número de mortos que se consegue infligir no adversário/inimigo. O caso mais notório disso foi a guerra do Vietnã, onde o povo vietnamita perdeu dois milhões de pessoas e os EUA em torno de 60 mil, mas eles perderam fragorosamente aquela guerra.

Se não vejamos. Israel fixou três objetivos em sua investida genocida contra o povo palestino: 1. Ocupar Gaza rapidamente; 2. Eliminar o Hamas (resistência palestina) e 3. Resgatar todos os reféns (prisioneiros de guerra). Não atingiu nenhum desses. Não ocupou e não ocupará Gaza (pelo menos não totalmente). Jamais eliminará a resistência palestina e todos os reféns soltos até o momento, o foram por negociações com a guerrilha e não obra de seu exército. 

O terceiro ponto de tensão é Taiwan, que fica na região que nós chamamos de Indo-Pacífico. Ali, a gestão Biden, iniciada dia 20 de janeiro de 2021, montou/reativou duas novas mini OTANs. Um deles é o QUAD (Diálogo de Segurança Quadrilateral), uma aliança informal de países composta pelos Estados Unidos, Austrália, Índia e Japão. A outra mini OTAN que Biden formou, é a AUKUS, formada por Austrália, Reino Unido e EUA e o fez logo depois de sua posse em 20 de janeiro de 2021.

Biden reativou o Quad em 2021. O grande objetivo dos EUA é criar ali algumas bases para ameaçar a República Popular da China. A imprensa usa o termo “tensão no Mar do Sul da China”. Eles dizem que a China quer dominar aquele mar, que é o mar da China, que não impede nenhum tráfego internacional. O que a China não aceita é a militarização daquela região, onde os Estados Unidos têm uma das suas sete frotas navais. 

Então, eu identifico estes três pontos de conflito. A questão da Palestina neste momento é o maior problema do imperialismo. Quero trazer alguns números, dados e fatos para mostrar que, o que acontece naquela guerra, é um genocídio. 

Eu fiz uma estatística do número de crianças mortas com base em dados da United Nations Children’s Found-Unicef (Fundo das Nações Unidas para as Crianças), sobre crianças mortas nas guerras do Iraque, que durou 14 anos, na guerra da Ucrânia que dura 22 meses, na guerra no Iêmen que durou sete anos e a guerra na Síria que durou 11 anos e comparei com a guerra na Palestina que dura 80 dias completados dia 27/12.

Com base no número de crianças mortas fornecidos pela Unicef – portanto são dados oficiais – eu transformei os anos em dias. Assim, em 14 anos, multiplica-se por 365 e se chega ao número de dias da guerra e divide-se pelo número de crianças para apurar o número de crianças mortas por dia. 

Em uma conta simples, uma matemática elementar, eu apurei que a guerra no Iraque matou 0,6 crianças por dia. Como 0,6 não é uma criança inteira, nós podemos dizer que a cada cinco dias naquela guerra, morriam três criancinhas.

Na Ucrânia, nestes 22 meses, morreu 0,8 criancinhas ao dia. Isso quer dizer que a cada cinco dias morrem quatro crianças. Já no Iêmen, morreu 1,4 ao dia, ou seja, a cada 10 dias no Iêmen morreram 14 criancinhas. Na Síria, que das quatro guerras foi a que mais criancinhas morreram, o índice foi de 2,9 crianças ao dia ou, em 10 dias, 29 criancinhas eram mortas.

No caso da Palestina, hoje, o número de criancinhas mortas por dia é de 133! É inacreditável um número desses. Mas, é o número real, é uma guerra que mata criancinhas e mata suas mamães e as matam exatamente para que elas nunca mais tenham filhos. Se isso não for genocídio, não sei o que é.

Esta é a estatística mórbida que eu trago da Palestina. E, a última estatística da Palestina para aquilatarmos a real dimensão do que está sendo, esta guerra contra os palestinos. Quero também apresentar outra estatística que apurei, relacionada com as guerras que Israel perpetrou contra árabes e palestinos. 

A primeira, que foi a mais longa, que foi a de 1948, durou 270 dias. Esta eu não vou considerar na minha estatística por ela ser atípica, apesar desta ter sido a que mais morreram israelenses, totalizando 6.373. Os dados não são precisos do lado de Israel. Portanto, eu tiro esta guerra contra palestinos e árabes do meu estudo e trabalho com três outras guerras curtas e de alta letalidade, que foram as guerras de 1956, de 1967 e de 1973, respectivamente chamadas de “Crise do Suez”, “Guerra dos Seis Dias” e “Guerra do Yom Kippur”. 

A Guerra do Suez durou 10 dias; a guerra de 1967 durou seis dias e, a Guerra do Yom Kippur, de 1973, durou 20 dias. Em todas elas o Conselho de Segurança da ONU votou rapidamente uma resolução de cessar-fogo, que foi acatado pelos dois lados. Portanto, nós temos uma situação de três guerras que somadas deram 36 dias, em uma média de 12 dias por guerra. 

Eu usei o número de israelenses e árabes mortos nestas três guerras. Do lado de Israel foi em torno de quatro mil; do lado dos árabes, em torno de 33 mil. Se fizermos uma macabra proporção, estas três guerras curtas, vemos que Israel matou, na proporção de cada um soldado seu abatido, oito soldados ou lutadores árabes-palestinos. 

Na última guerra, chamada de “Yom Kippur”, Israel enfrentou 800 mil soldados egípcios e sírios. Se somarmos 36 dias de guerra, do lado Israel, temos em torno de apenas 100 soldados israelenses mortos ao dia e do lado árabe, 800 soldados abatidos, ou seja, oito vezes mais soldados e combatentes árabes e palestinos do que israelenses.

Nesta guerra de agora contra os palestinos também é muito fácil estabelecer uma conta muito simples. Nós já sabemos que já se atingiu 21 mil mortos palestinos. Se dividirmos pelo número de dias – como conclui o estudo em 27 de dezembro, são 80 dias de guerra – temos 260 palestinos mortos ao dia. Metade disso são crianças e a outra metade são mulheres e homens. 

Na guerra na Ucrânia – nós usamos este termo mais para facilitar o entendimento, mas não é uma guerra da Rússia contra a Ucrânia, mas simplesmente uma guerra dos Estados Unidos/OTAN contra a Rússia para enfraquecê-la – o tiro saiu pela culatra. A Rússia poderá, a qualquer momento, anunciar o fim das Operações Militares Especiais, porque seus objetivos já foram completamente atendidos. 

Não pensem que a Rússia em algum momento algum quis ocupar a Ucrânia inteiramente e derrubar o governo de Zelensky e colocar em seu lugar um governo títere e fantoche. Não! A Federação Russa nunca quis governar os ucranianos. Esta é uma tarefa que o povo tem que resolver. 

Ela apenas defendeu pelas armas – e com base na Carta das Nações Unidas, que lhe assegura esse direito – os russos que moram na Ucrânia, considerando que metade da população da Ucrânia é russa ou fala só russo ou é russo étnico ou é filho de russo étnico. Desta forma, o que a Rússia fez foi defender os interesses dos seus nacionais, a sua língua, a sua cultura, o seu povo. 

Reunião dos Brics na África do Sul. Foto: Gianluigi Guercia/AFP

Brics e desdolarização

O segundo ponto que eu quero tratar é sobre o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e a desdolarização do mundo. Nós estamos vivendo um momento que alguns economistas chamam de desacoplamento, é a separação da economia mundial do dólar como moeda hegemônica. Isso é o que está acontecendo hoje e, no final eu falarei das contribuições e comento mais sobre o tema.

O Brics está vivendo o seu maior fortalecimento e expansão desde que foi criado em 2009. Ninguém segura mais esse bloco. Mesmo com a Argentina declinando do ingresso. O Brics busca uma nova marca, um novo nome, mas não vão deixar de usar a sigla Brics, que é forte. Mas, a nova marca tem que refletir os novos membros. Poderá ser Brics 10 ou Brics Plus (+). 

Brics hoje é uma marca, é uma ideia, é uma corrente de opinião, é um instrumento que os povos do mundo têm hoje de contenção ao imperialismo estadunidense. Esta não é uma definição, mas é uma interpretação, uma análise. 

Brics é um bloco intergovernamental. A ONU tem muitos desses blocos. Mas ele não é um bloco econômico. Os seus membros não são obrigados a acatar as decisões, ainda que tudo seja decidido por consenso. Mas, mesmo assim, não é impositivo, tem que ver as condições de cada país. 

O Brics vai se fortalecer como um bloco de contenção ao imperialismo e isto está dando resultado, está dando certo, especialmente depois da posse do presidente Lula, em que pese os setores minoritários no governo, no Itamarati e mesmo no campo da esquerda, quando alguns economistas, alguns analistas disseram que o Brasil não deveria apoiar a ampliação do bloco. 

Disseram que isso podería nos fazer diluir. Mas isso é completamente equivocado. Alguns estão fazendo essa análise por um erro de interpretação, por ingenuidade. Outros por maldade mesmo, para evitar que o Brics se fortaleça. Certamente que não é do interesse dos Estados Unidos o fortalecimento do bloco. Essas pessoas verbalizam as opiniões do império. 

Assim, nós já estamos vendo a perda da influência do dólar como moeda de entesouramento, de reserva e de comércio. Quando alguém sonha com aquela mala cheia de dinheiro que está ganhando ou recebendo de alguém, dentro dela não são Reais; são Dólares. Essa é a questão do entesouramento pessoal. Quando alguém guarda dinheiro embaixo do colchão ou em um cofrinho dentro de casa, não guarda reais; guarda em dólar e os guarda escondido. 

Em abril de 2024, nós relembraremos os 80 anos da Conferência de Breton Wood, realizada na cidade do mesmo nome, no pequenino estado de New Hampshire (EUA). Reuniram-se 700 delegados de 40 países, incluindo o Brasil, com seus nove delegados compondo a nossa delegação

Nesses 80 anos da criação desta arquitetura financeira internacional do imperialismo, todas as instituições criadas naquela reunião e algumas criadas alguns anos depois, como a Organização Mundial do Comércio-OMC, por exemplo. 

Mas, o Fundo Monetário-FMI, o Banco Mundial e a OMC, o Banco Internacional de Compensações, o famigerado TPI e o sistema Swift, que é de 1972, todos esses mecanismos são operados pelo imperialismo, de controle, da garantia de que a sua moeda será a moeda hegemônica no mundo todo. Mas, isto está desaparecendo.

Esta é a grande novidade neste ano, desta nova arquitetura, mais do que nunca ela está rachando inteirinha, mas ainda não desabou, não foi demolida e não está destruída, mas está seriamente abalada e, ao lado dela, constroi-se uma outra nova arquitetura que eu vou tratar mais adiante.

O presidente da Argentina, Javier Milei, recebeu bolsonaristas em sua posse. Foto: Reprodução

Avanço do fascismo

A terceira questão do meu balanço é o avanço do fascismo. Podemos falar dos Estados Unidos com Donald Trump, que aparece em primeiro lugar em todas as pesquisas de  opinião. Aqui mesmo em nosso Brasil, em que pese nós termos vencido, o fascismo é resiliente e ainda tem força. Tem um núcleo na sociedade que eu estimo entre 10 e 15, podendo chegar a 20% dos eleitores. Todas as famílias que se dividiram e elas não voltarão a se unir jamais. 

Aqueles fascistas que saíram do armário naquelas famigeradas manifestações de junho de 2013, nunca mais voltarão para o armário. Eles desabrocharam. Sentiram o espaço, a liberdade e a vontade para expor as suas concepções de extrema-direita. Eles se dizem conservadores, mas confundem o conceito de conservar com reagir contra a mudança, pois são reacionários. 

É preciso dizer que existem pessoas do nosso campo, que acham que Trump seria diferente e poderia parar a guerra na Ucrânia ou mesmo na Palestina. Não se iludam. É a mesma política externa dos Democratas ou dos Republicanos – que eles chamam de bipartidária – não muda a questão de ganhar um ou ganhar outro. Mas, o que se emana com a vitória do Trump é inegavelmente a vitória do fascismo internacional.

Nós devemos usar sempre o termo “fascista” e não mais “bolsonarista”, pois fascistas é o que eles são. Esses deputados fascistas Nicolas, Bia Kicis, Carla Zambelli, que perseguiu um negro com uma arma em punho no meio da rua, Eduardo, Carlos e Flávio Bolsonaro, da chamada “familícia”, são todos fascistas. Além, claro, de mentirosos contumazes. 

O é a Índia, governada por um partido de direita – Partido do Povo da Índia – liderado pelo primeiro-ministro Narendra Modi, que já e o mais longevo primeiro-Ministro da Índia desde a sua independências em 1947. Em 2024, ocorrerão eleições na Índia. Mas, não dá para dizer que ele fortalece o imperialismo, porque, apesar de ter ligações e vínculos com os Estados Unidos, eles não saem do Brics, ao contrário. Eles fortalecem ainda mais o bloco e se aproximam da Rússia e da China, apesar de inclusive, disputas territoriais fronteiriças. 

Por fim, o fenômeno da Argentina, a vitória do fascismo que mora aqui ao lado e  que tomou posse no dia 10 de dezembro, quando Javier Milei fez seu discurso de costas para o Congresso, como que mandando um recado: “eu não dou bola para vocês, eu vou falar é para o povo diretamente”. 

No momento que escrevo este ensaio, completam-se 18 dias da sua posse e ele já mostrou claramente a que veio. Veio para retirar todos os direitos dos trabalhadores. Veio para destruir o estado de bem-estar social. Veio para implantar o ultraliberalismo que, aqui no Brasil, a dupla Bolsonaro-Guedes não conseguiu em quatro anos de terra arrasada. 

Milei não vai conseguir retirar todos os direitos. Mas, em 18 dias de novo governo, em um mês difícil de mobilizar o povo entre festas natalinas e de ano novo, a Argentina já realizou três grandes manifestações. E marcou uma greve geral para o dia 24 de janeiro. É um jogo duro. Vamos ver se ele conseguirá aprovar o seu DNU – Decreto Nacional Unificado – com mais de 600 artigos e 300 páginas, totalmente recheado de maldades e decisões contra o povo argentino.

O presidente Lula e líderes de nações no G20. Foto: Ricardo Stuckert/PR

O G-20 e o governo Lula 

Eu não vou dar detalhes do que Lula fez internamente, pelo simples fato que o foco deste meu ensaio é a política internacional e a geopolítica. Lula hoje, com a presidência do G20, se consolida como um líder mundial, com um crescimento cada dia maior da sua consciência política anti-imperialista. 

Entendo que Lula caminha no sentido de se assumir como homem de esquerda ou centro-esquerda ou mesmo socialista, autodefinições que ele não usa e não fala. Jamais ele se apresentou dessa maneira. Então, o fator Lula conjugado com o G20 é um dos balanços positivos que eu registro em 2023.

A “gestão” de um ano deste que é o mais importante bloco na ONU – é preciso dizer que todos os sete membros do G-7 e do Brics ampliado, são membros do G-20 – compreenderá um conjunto de importantes reuniões que ocorrerão aqui no Brasil em alguns estados, convocados pelo nosso Itamaraty

As guerras perdidas dos EUA

Os EUA perderam a guerra da Ucrânia, foram derrotados, não há dinheiro que chegue. Aliás, também não há munição que chegue, não há mais soldados, pois já morreram 440 mil, mas eles não admitem e já estão recrutando gente até de 70 anos para cima. 

Eles mudam todos os meses as normas de recrutamento compulsório, porque têm que buscar cada vez mais. Eles perderam a guerra e não sabem o que fazer, não sabem como sair dela. Não há o que ser feito em termos de uma negociação de paz, porque não há mais o que possa ser cedido nesta negociação.

A segunda guerra que eu estou dando como perdida é aquela contra os palestinos que está corroendo a cada dia o já baixo capital político do presidente Joe Biden, está dividindo o Partido Democrata, está dividindo inclusive os sionistas nos Estados Unidos, mostrando fissuras dentro do lobby judaico.

Os Estados terão eleições em 20 de novembro, depois de um quadro de duas guerras perdidas e as duas sem solução. As duas que não há o que ser oferecido para uma solução que possa atender aos interesses do império, uma o fim dos conflitos que possa atender aos interesses, por exemplo, da Rússia e até dos palestinos. 

Hoje, o cessar-fogo interessa para os palestinos ganharem tempo, que é tudo que eles precisam, ganhar tempo e tudo que pode atrapalhar ainda mais o já combalido governo de Netanyahu em seus últimos dias. O tempo joga contra Bibi, que já fala em prorrogar a guerra até pelo menos fevereiro. Não se sabe quantos soldados israelenses foram abatidos. Fala-se de 500 até a 1,5 mil. 

Salão da Assembleia Geral. Foto: Divulgação

As Nações Unidas

Devemos tomar muito cuidado dizendo que a ONU não serve para mais nada e que perdeu o seu papel, não tem mais sentido. Que deveríamos tomar outro rumo; uns falam em até fundar outra “ONU”. Não estou de acordo. A ONU tem ainda um papel e as suas 18 agências internacionais prestam serviços ao mundo. Essas siglas já fazem parte do nosso dia a dia. Quem não sabe o que é UNESCO, OMC, Unicef, OIT, OMS, FAO, e tantas outras como a Agência de Refugiados Palestinos (UNRWA). Elas prestam ajuda humanitária e estão espalhadas pelo mundo inteiro. Desta forma, a ONU tem o seu papel.

No entanto, ela não consegue cumprir o papel para o qual foi criada. Na Carta das Nações, que é uma espécie de programa, estatuto de Constituição desse grande organismo que sucedeu a completamente inoperante Liga das Nações, que funcionou de 1919 a 1942, dando lugar à ONU. 

Mas, essa Liga não cumpriu papel nenhum. Nós devemos reconhecer que a ONU hoje, vive uma inação e uma subordinação ao império. A sua estrutura está obsoleta. O mundo em que ela fora fundada em 1945, há 78 anos para garantir a paz mundial, não existe mais. 

Ela já não atende mais aos seus princípios fundadores – ou talvez nunca tenha atendido – o mundo daquela época era bipolar. Hoje ele é multipolar – ainda que alguns não concordem com isso – e não tem mais sentido cinco potências nucleares decidirem sobre 193 países e oito bilhões de pessoas. Isso não é mais possível.

O exemplo disso é esta guerra em curso contra os palestinos que já matou 21 mil pessoas em 80 dias. Nesse período, cinco propostas de resoluções propondo um cessar fogo foram vetadas pelos Estados Unidos. Mesmo países como a Inglaterra e França, do campo imperialista, que tem poder de veto, nas várias tentativas se abstiveram nessas votações. E, na última que eles aprovaram por 13 votos a favor e duas abstenções

Perspectivas

Quero aqui apresentar oito questões, que não são previsões, mas apenas prognósticos e cenários por onde imagino que a humanidade pode caminhar. São tendências que eu estou projetando. São cenários que eu os imagino com grandes probabilidades de ocorrer. Alguns com percentuais já bastante altos outros ainda a se verificar. São eles:

  1. Crescimento do comércio internacional em moedas locais – Eu estou apontando que é quase certo que haverá um avanço no comércio bilateral entre países em suas moedas locais. Hoje estima-se que cerca de 60% de todo o comércio mundial já não é mais feito em Dólar. A tendência é que isso se aprofunde.
  2. Mundo cada vez mais multipolar – Haverá uma consolidação do mundo multipolar, ou seja, em 2024 veremos o mundo mais multipolar do que foi em 2022 e 2023.
  3. Tensões seguirão elevadas – As tensões seguirão elevadas, exatamente pela concepção guerreira do imperialismo estadunidense, cuja economia interna depende, dizem os especialistas, do complexo militar industrial dos Estados Unidos. Já ouvi estatísticas de que o peso desse setor no PIB gira em torno de 40%.
  4. Vai se agravar a crise interna dos EUA – Os Estados Unidos ampliarão a sua crise interna e a sua decadência. Haverá um crescimento no seu endividamento, de um PIB de 26 trilhões de Dólares, eles já devem 34 trilhões e há um movimento de muitos países pedindo o resgate das suas aplicações nos Treasures (Títulos do Tesouro dos Estados Unidos). 

Vislumbro um crescimento da perda do poder de sua moeda e dos seus títulos do tesouro, que são classificados como Triple A, os mais seguros do mundo. Como diz Laury Summers, ex-reitor de Harvard, da corrente chamada Declinista nos Estados Unidos: “Como pode o país mais endividado ser a maior potência econômica?”

  1. Fortalecimento da China e da Rússia – A República Popular da China caminha para um maior fortalecimento assim como a Federação Russa. Estes países que estão na linha de frente do Brics e do bloco de contenção ao imperialismo estadunidense, eles vão se fortalecer ainda mais

E o Brasil deve atingir, neste terceiro mandato do presidente Lula, a 6ª posição na economia mundial, disputando a quinta com a França, que perde influência na África, naqueles 20 países ex-colônias, e a Alemanha, por ter sido serviçal dos Estados Unidos boicotado o gás russo, e ambos, França e Alemanha, podem perder uma ou duas posições no PIB mundial. E isso pode facilitar o Brasil e nós vamos passar muito rapidamente a Itália e o Canadá. Eu não tenho dúvida disso.

  1. Importantes eleições no mundo – A Índia terá eleições e nós, evidente que vamos ser pela vitória da oposição, que, qualquer que seja ele, é melhor que o Bharatiya JanataParty ou BJP (Partido do Povo Indiano), do Narendra Modi. Eu não sei se a oposição ao Modi tem condições de vencer, mas serão eleições muito importantes.

O México terá eleições em que apenas duas mulheres disputam, sendo uma de direita e uma de esquerda. A candidata de esquerda, progressista, apoiada por Lopes Obrador e do seu Partido Morena, é a física de 61 anos, Cláudia Schinbaum, que enfrentará a direitista de 60 anos, empresária, Xóchitl Gálvez. Deve vencer a esquerda.

Teremos ainda eleições na Inglaterra e eleições municipais no Brasil, que são consideradas preparatórias, um ensaio geral para 2026. Portanto, vamos torcer para esses partidos progressistas que apoiam o presidente Lula conseguirem se unir, se não todos eles, mas a maioria, nas principais cidades e que possamos sair com pelo menos 17 capitais com vitória dos progressistas. Especialmente, o triângulo chamado “das Bermudas”: Rio, São Paulo e Minas (Belo Horizonte, Rio de Janeiro e cidade de São Paulo). Que possamos emplacar prefeitos progressistas, não necessariamente de esquerda. 

Por fim, a eleição dos Estados Unidos onde não é de todo impossível que nenhum dos dois principais e favoritos não estejam na cédula, que são Biden e Trump. Claro que, se isso acontecer, muda completamente o cenário e seria como se estivesse zerado o cenário eleitoral. 

Eu não afirmo que isto irá acontecer, mas pode acontecer. Ou, pode ser que um dos dois não dispute, o Trump, por inelegibilidade ou o próprio Biden pela rejeição, por exemplo. Há muita luta interna no partido Democrata.

  1. Alternativas ao SWIFT – Uma das questões mais importantes na geopolítica mundial é a criação de um sistema alternativo de transferência eletrônica e instantânea de fundos, alternativo ao Swift. Isto deve avançar para já ser colocado em prática, em 2024. 

Já existe algo assim na Eurásia, com a China e a Rússia avançando nessas tratativas. Mas, ainda não é um modelo global que qualquer um possa usar. O Google, por exemplo, manda recursos em dólar para todos os canais que são chamados monetizados. E isso vem pelo sistema Swift. Ainda não há uma alternativa que posa se usar para enviar dinheiro para o mundo inteiro. Mas, em 2024, nós presenciaremos essa nova alternativa.

Estas são, em linhas gerais, as principais tendências que vejo para o mundo em 2024. O que não tenho dúvidas: o mundo será cada dia mais multipolar, o imperialismo, seu exército e sua moeda tornar-se-ão a cada dia mais fracos e os povos do mundo todo, em luta contra o imperialismo, tornar-se-ão cada dia mais fortes e vitoriosos. 

*Sociólogo, professor universitário aposentado, escritor e analista internacional. É colaborador de canais de TV, em especial a TVT, TV 247 e DCM TV. Possui mais de 20 livros publicados nas áreas de Sociologia e Política Internacional (lejeunemgxc@uol.com.br).

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