Quando a Lava Jato interrogou Lula, mediante condução coercitiva, em março de 2016, um dos temas abordados foram as garrafas de vinho que recebeu quando era presidente da república.
O deputado Paulo Teixeira, que é advogado, acompanhou o depoimento e ficou indignado, já que, com os questionamentos, os delegados e procuradores insinuavam que os vinhos seriam algum tipo de vantagem indevida recebida no exercício da presidência.
“Chegaram até a perguntar se tinha vinho entre esses bens. Ele disse que recebeu presentes de vários presidentes da república, que recebeu, de primeiros-ministros, garrafas de vinho, mas não é grande apreciador de vinhos. Ele disse que tem muita dificuldade de identificar, de diferenciar um vinho nacional de um vinho estrangeiro. Ele não é um amante de vinhos”, disse.
Se receber de presente uma garrafa de vinho era indício de corrupção, na visão da Lava Jato, o que dizer de um procurador que, graças à visibilidade adquirida no serviço público, é convidado a fazer palestra para uma entidade privada em Fortaleza e ainda exige, além do cachê de 30 mil reais, passagem, hotel e ingresso para o Beach Park para si, para a mulher e os dois filhos?
Pois foi isso o que o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, fez. Na conversa através do aplicativo Telegram com a esposa — que uma fonte anônima vazou para o Intercept e a jornalista Mônica Bergamo publicou hoje na Folha de S.Paulo –, Deltan Dallagnol comentou sobre seus planos:
“Posso pegar [a data de] 20/7 e condicionar ao pagamento de hotel e de passagens pra todos nós”, disse Dallagnol a ela.
E foi o que fez, conforme contaria mais tarde a Sergio Moro, o juiz da operação Lava Jato:
“Eu pedi pra pagarem passagens pra mim e família e estadia no Beach Park. As crianças adoraram”, disse Dallagnol. “Além disso, eles pagaram um valor significativo, perto de uns 30k [R$ 30 mil]. Fica para você avaliar.”
A palestra foi em 20 de julho, conforme Pompeu Vasconcelos registrou em sua coluna social, Balanda In.
“Integrante e coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, o procurador do Ministério Público Federal (MPF), Deltan Dallagnol, é o convidado do mês de julho do Fórum Industrial Ideias em Debate, promovido mensalmente pela FIEC. Diante de uma plateia atenta, o procurador falou sobre sua experiência a frente da operação que investiga os crimes de corrupção na Petrobrás e as consequências desses atos ilícitos para a economia e desenvolvimento do País”, escreveu Pompeu Vasconcelos.
Foram publicadas na coluna 24 fotos do procurador — nenhuma no Beach Park, claro, já que o passeio era extra-oficial.
A data escolhida é um dia de semana — quinta-feira —, o que indica que, caso não estivesse em férias, ainda pode ter recebido salário da Procuradoria da República ou até diárias, já que, pouco tempo antes, a Corregedoria do Ministério Público Federal e a Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público haviam legitimado as palestras remuneradas realizadas por ele.
Ele mesmo comemorou essa vitória na conversa com Moro.
“Não sei se você viu, mas as duas corregedorias —[do] MPF [Ministério Público Federal] e [do] CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público]— arquivaram os questionamentos sobre minhas palestras dizendo que são plenamente regulares”, disse.
Só faltou Dallagnol entoar seu grito de guerra: “Aha, uhu, a corregedoria é nossa!”
E ele ainda voltaria um ano e três meses depois à capital do Ceará, para uma palestra paga pela Unimed.
Nessa segunda palestra, ele falou sobre “Ética e luta contra a corrupção”, durante a 1ª Semana do Cooperado, no Marina Park Hotel. Também foi estrela de outra coluna social, a de Adriano Nogueira.
Nessa coluna, uma das fotos publicadas mostra Deltan Dallagnol ao lado de Fernanda Cunha, a dona da Star Palestras e Eventos.
Se novamente foi ao Beach Park, a regalia ficou em sigilo, como na primeira palestra.
Fernanda Cunha foi mencionada em um grupo do Telegram criado por ele para discutir um plano para lucrar com as palestras.
Participavam do grupo o procurador Roberson Pozzobon e as respectivas esposas, cogitadas para serem laranjas em uma empresa deles.
Dallagnol diz, a certa altura, que a organização dos eventos ficaria a cargo de Fernanda Cunha.
Disse o coordenador da força-tarefa:
“Só vamos ter que separar as tratativas de coordenação pedagógica do curso que podem ser minhas e do Robito [Pozzobon] e as tratativas gerenciais que precisam ser de Vcs duas, por questão legal.”
Em seguida, o procurador alertou para a possibilidade de a estratégia levantar suspeitas.
“É bem possível que um dia ela [Fernanda Cunha, da Star Palestras] seja ouvida sobre isso pra nos pegarem por gerenciarmos empresa”, disse.
Pozzobon então comentou: “Se chegarem nesse grau de verificação é pq o negócio ficou lucrativo mesmo rsrsrs. Que veeeenham”.
Ainda não vieram, mas Dallagnol foi. E tem enriquecido e se divertido muito com esse esquema de palestras.