31 dias de greve em Florianópolis: um ensaio do que acontecerá no Brasil. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 17 de fevereiro de 2017 às 9:29
O protesto em frente à prefeitura de Florianópolis: 30 dias de paralisação
O protesto em frente à prefeitura de Florianópolis: 31 dias de paralisação

 

No dia em que a greve dos funcionários públicos municipais de Florianópolis completou um mês, milhares de pessoas realizaram uma passeata hoje, dia 16, pelo centro da cidade. Entre os manifestantes, havia muitos pais de alunos que hoje estão sem aula por causa da paralisação.

É o caso da Alexandra Alencar, que não foi sozinha para a rua. Mãe de um adolescente, que ficou em casa, Alexandra levou um grupo de maracatu, que, ao som do tambor, dançava e acompanhava o refrão dos grevistas: “Nenhum direito a menos”.

Por que pessoas atingidas pela paralisação dos serviços apóiam a greve em Florianópolis?

O presidente da Federação dos Servidores Públicos de Santa Catarina, Lizeu Mazzioni, que é professor em Chapecó, acredita que a violência das medidas tomadas pela administração do prefeito Gean Loureiro, do PMDB, despertou na sociedade o sentimento de solidariedade.

“O que acontece aqui é legítima defesa”, diz ele.

Gean Loureiro se elegeu com a promessa de que valorizaria o serviço público e os aposentados. Mas, alguns dias depois da posse, enviou para a Câmara Municipal um conjunto de projetos de lei que, entre outras coisas, propunham o fim do plano de carreira do servidor e cortes superiores a 50% nas futuras aposentadorias.

O prefeito convocou a Câmara durante o recesso e conseguiu aprovar as medidas em poucos dias, mas por apenas um voto de diferença: 12 a 11. Os servidores já estavam na rua protestando quando as medidas foram aprovadas, e continuaram de braços cruzados, ao mesmo tempo em que organizavam grandes manifestações.

Na semana passada, o procurador geral do município entrou na Justiça com o pedido de intervenção no Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Municipal de Florianópolis. A prefeitura pediu também a prisão de todos os diretores da entidade, que não estariam cumprindo a ordem judicial de retomar as atividades.

Houve reação de mais de 300 entidades sindicais do mundo todo, da Rússia aos Estados Unidos, do Paquistão à Índia, da África à Dinamarca – repercussão no mundo todo, e a imprensa brasileira ignora os eventos de Florianópolis.

Essas entidades enviaram mensagens para a desembargadora que julgaria o pedido de intervenção e a prisão dos dirigentes. No despacho, a desembargadora descartou o pedido de prisão, mas estabeleceu multas pesadas para cada dia de paralisação. Ainda assim, a greve não parou.

A tropa de choque a postos
A tropa de choque a postos

 

“Foi uma grande vitória. Só vi algo parecido, no sentido de mobilização internacional, na época das greves do ABC, quando prenderam Lula e outros sindicalistas”, disse João Batista Gomes, diretor da CUT , que saiu de São Paulo para participar do ato desta quinta-feira em Florianópolis.

“O que está acontecendo aqui um ensaio do que vem por aí. O golpe foi para isso. Arrochar os aposentados, destruir a previdência e acabar com a base do serviço público”, diz ele, que é funcionário de carreira da Prefeitura de São Paulo.

“Se passar em Florianópolis, vai passar no Brasil inteiro. No fundo, o conjunto de medidas daqui é a síntese do governo Temer: ataque aos direitos trabalhistas, reforma da previdência e reforma tributária – aqui eles estão diminuindo impostos para os ricos e castigando o serviço público. Tiram de quem mais precisa para dar aos ricos”, diz Alex Santos, presidente do Sindicato em Florianópolis, que está à frente desse movimento.

Casado, pai de um menino de oito anos e à espera do segundo filho, ele tem perdido horas de sono, para dar conta de assembléias e reuniões. Professor de educação física, com mestrado pela Universidade Federal de Santa Catarina, Alex apostou tudo no serviço público e hoje se sente um traído.

Está com aparência cansada, mas muito motivado. Alex Santos acha que o desfecho da greve em Florianópolis ainda vai demorar. “Só vamos parar quando o prefeito revogar as leis aprovadas”, promete.

Na manifestação de hoje, Luciana Genro, que foi candidata a presidente em 2014, também compareceu, orientada por um amigo que mora em Florianópolis, que lhe disse: “Eu nunca vi um movimento como este. Tem algo diferente acontecendo aqui e você precisa vir.” Ela foi e elogiou: “Eles estão fazendo história.”

Até os médicos, normalmente resistentes a movimentos grevistas como estes, participam em peso das manifestações. Murilo Leandro Marcos, do Programa Saúde da Família, diz que o pacote vai desestruturar o Sistema Único de Saúde, ao tirar a perspectiva de carreira do médico e reduzir horas de trabalho dos agentes comunitários.

Murilo lembra que Florianópolis tem um dos melhores Índices de Desenvolvimento Humano do Brasil, entre outros fatores por conta de um serviço público premiado não só na área médica, mas também em educação.  “Sem perspectiva de carreira, com uma lei que não valoriza quem faz cursos, quem vai querer ficar aqui?”, indaga.

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A comerciante Celi de Lima conversava com a professora Cecília da Silva, também grevista, e perguntou se a greve ainda iria demorar. “Depende do prefeito”, disse Cecília.

“A atual administração de Florianópolis, que une PMDB e PSDB, achou que daria um golpe nos servidores e ficaria tudo por isso mesmo. Mas eles acabarão descobrindo que não. O movimento sindical, unido ao movimento estudantil e outros movimentos sociais, está renascendo”, afirma  Lizeu Mazzione, da Federação.

No caminhão de som, o diretor do Sindicato dos Motoristas de Florianópolis Deonísio Linder ameaçou parar os ônibus se, em uma semana, a prefeitura não revogar o pacote de medidas.

Uma jovem também teve a palavra e fez um discurso inflamado. Era Mayara Colzoni, que falou em nome dos estudantes secundaristas de Joinville. No peito, ela trazia um broche: Liberdade e Luta. Uma corrente com esse mesmo nome se destacou nas manifestações dos últimos anos da ditadura.

Os dirigentes da nova Liberdade e Luta têm idade para serem netos daqueles do final dos anos 70 e início dos anos 80. Mas a palavra de ordem é parecida: pela democracia, fora Temer. Ou fora, Gean Loureiro, o mini-Temer de Santa Catarina.

Há 40 anos, se dizia algo que, traduzindo, significava: pela democracia, fora, generais. Jovens como Mayara não têm dúvida: a liberdade se conquista com luta.

https://www.youtube.com/watch?v=-OvRk-KFwl8