6 mil famílias já foram despejadas na pandemia e ainda assim Caixa exclui mais pobres do pacote habitacional

Atualizado em 16 de outubro de 2020 às 13:06
Casas para brasileiros de baixa renda: mais pobres continuam excluídos dos planos da Caixa

A população de baixa renda continua excluída das medidas anunciadas esta semana, pelo governo, para a redução dos efeitos da crise econômica no setor habitacional. As cinco ações apresentadas pelo presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, novamente não abrangem a Faixa 1 do Minha Casa Minha Vida (MCVM), composta por famílias com renda mensal até R$ 1,8 mil. Nem mesmo o benefício da suspensão do pagamento das prestações da casa própria durante a pandemia foi concedido a esta faixa do programa, a mais carente e a única que não teve a pausa nos financiamentos concedida pelo governo federal.

Segundo a Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), desde o início da pandemia do coronavírus, mais de 6,3 mil famílias foram despejadas por não terem condições de pagar as prestações da moradia. “Nesse momento de crise, políticas públicas para facilitar a vida das pessoas são importantes e a Caixa está cumprindo o papel social do banco, com medidas voltadas para a habitação. Mas, os benefícios têm de chegar para todos”, defende o presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa (Fenae), Sérgio Takemoto. “O governo precisa dar mais atenção às famílias que têm renda menor e constituem a camada mais vulnerável da população”, reforça.

De acordo com o presidente do Conam, Getúlio Vargas Júnior, as medidas adotadas pelo governo alcançam apenas quem tem condições de buscar financiamentos para a compra da casa. “Mas, não resolvem a situação de quem não tem condições de fazer isso”, afirma. E acrescenta: “Depois da Medida Provisória 995 [editada pelo governo para abrir caminho à privatização da Caixa Econômica] e da MP 996 [criando o programa Casa Verde e Amarela em substituição ao Minha Casa Minha Vida], que procura tirar dos bancos públicos boa parte da produção habitacional, fragilizando a Caixa, a gente percebe mais uma iniciativa articulada com o projeto de Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes [Economia] no sentido de transformar moradia cada vez mais em mercadoria e menos em direito social”.

O coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP), Raimundo Bonfim, também critica o que ele classifica como “descaso” com os mutuários da Faixa 1 do MCMV. “É inaceitável que, em um momento de crise como esse, o governo não apresente uma proposta concreta no sentido de aliviar a situação dessas famílias”, diz. “Faltam propostas para a moradia popular, seja para aqueles que já são mutuários do Minha Casa Minha Vida ou de outros programas seja para facilitar o acesso da população de baixa renda aos financiamentos”, ressalta Bonfim.

Em março, a Caixa autorizou a suspensão das parcelas dos financiamentos habitacionais. Mais de 2,5 milhões de mutuários foram beneficiados pela pausa nas prestações, com exceção da faixa mais carente do MCMV. O banco também possibilitou um prazo de carência de seis encargos para contratos de financiamento de imóveis novos e a renegociação de contratos com clientes em atraso, entre 61 e 180 dias, permitindo a pausa das prestações, dentre outras medidas.

JUROS PARA QUEM MENOS TEM — De acordo com a MP 996, a parcela mais carente do novo Casa Verde e Amarela — correspondente à Faixa 1 do Minha Casa Minha Vida — passará a ter que pagar juros anuais a partir de 4,25% no financiamento da casa própria.

Criado em março de 2009, o MCMV concede aos mutuários desta faixa um subsídio do governo correspondente a 90% do valor da moradia. Os outros 10% podem ser pagos em até 120 prestações mensais (por um período de dez anos), que variam de R$ 80 a R$ 270, sem qualquer incidência de juros.

A exclusão dos brasileiros mais necessitados das políticas habitacionais do governo Bolsonaro vem sendo denunciada há meses pela Fenae. Conforme alertas feitos pela entidade junto a diferentes órgãos do Executivo federal, esta parcela da população continua sendo a única não beneficiada, por exemplo, pelas pausas no pagamento das prestações da casa própria.

No final de julho, a Fenae enviou ofícios à direção da Caixa e também ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) solicitando informações sobre a não inclusão da Faixa 1 do Minha Casa Minha Vida em nova prorrogação da suspensão do pagamento dos financiamentos habitacionais. Em maio e julho, o governo concedeu e prorrogou pausas na quitação das prestações — em um total de 180 dias — para todos os mutuários do país, incluindo três faixas do MCMV: 1,5, 2 e 3.

DÉFICIT HABITACIONAL — Segundo a União Nacional por Moradia Popular (UNMP), famílias com renda até três salários mínimos correspondem a mais de 80% do déficit habitacional, o que reflete a falta de políticas habitacionais estruturadas no país.

“Nem essas novas medidas nem o programa Casa Verde e Amarela atendem as famílias de baixa renda, onde se concentra o maior déficit”, observa a representante da UNMP, Evaniza Rodrigues. “É muito triste ver um país que vinha construindo uma política nacional de habitação, com uma série de ações aprovadas pelos conselhos e conferências das cidades, jogar tudo no lixo e voltar para antes dos anos 2000, quando somente existia política habitacional para quem tinha mais renda. Quem mais precisa, fica de fora”, lamenta Rodrigues.

MEDIDAS PARA QUEM PODE FINANCIAR — Conforme estimativas da direção da Caixa, as medidas anunciadas esta semana poderão impactar 830 mil famílias, correspondendo a R$ 83 bilhões, entre novos negócios e negociação de contratos ativos. Além de reduzir os juros na linha de crédito indexada pela Taxa Referencial (os índices ficarão entre 6,25% + TR e 8,00% + TR), o banco vai prorrogar a possibilidade de carência para início do pagamento das parcelas de novos contratos imobiliários.

Os mutuários que tiverem dificuldades de retomar o pagamento integral da prestação habitacional poderão optar pelo pagamento parcial. Conforme o perfil, o cliente terá a possibilidade de pagar 75% da prestação, por até seis meses, ou entre 50% a 75% da prestação, por até três meses.

As outras duas medidas anunciadas foram a possibilidade de contratar o financiamento imobiliário de forma 100% digital pelo aplicativo Caixa Habitação e a realização de feiras online da casa própria.