Cinco anos sem o Paulo. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 30 de junho de 2022 às 16:27
Paulo Nogueira

O mais difícil de viver sem meu irmão Paulo Nogueira é que ele, na verdade, continua mais presente que nunca.

Hoje faz cinco anos que Paulo morreu. É um clichê afirmar que passou voando, então não vou repetí-lo — e, ao fazer isso, sei que estou reafirmando essa máxima.

“Para o coração a vida é simples: ele bate enquanto puder. E então para”, diz o escritor norueguês Karl Ove Knausgård. 

Parece ontem que falamos sobre jornalismo, música, cinema, casamento, amizade, Corinthians. Parece ontem, mas foi hoje.

(Agora toca “Five Years”, que abre “Ziggy Stardust”, o disco preferido do Bowie para o Paulo. “I never thought I’d need so many people…”)

Volta e meia alguém comenta sobre a falta que você faz hoje no Brasil de Bolsonaro. Como fomos parar aqui, Fratello? 

Muitos dos textos do Paulo estão de pé para ajudar a atravessar essa treva. A genialidade dele ajuda a conferir-lhes atualidade. 

Quem vai sumir na poeira do tempo é o governo. 

(We’ve got five years, what a surprise

We’ve got five years, stuck on my eyes

We’ve got five years, my brain hurts a lot

Five years, that’s all we’ve got) 

Agora há pouco lembrei do Paulo numa live. Era alguma patacoada de Merval Pereira ou um genérico. “Quem acredita nisso, acredita em tudo”, diria meu irmão, citando o marechal Arthur Wellesley, o duque de Wellington, um de seus últimos heróis. 

Deixo aqui um artigo do Paulo sobre Wellington com uma outra lição de Wellington: “Todos os soldados, uma hora ou outra, fogem. A questão é a rapidez com que retornam.”

Está mais que na hora de retornarmos.

Leio Rifles, do jornalista britânico Mark Urban, da BBC. É a história de um batalhão especial das forças comandadas por Wellington, o general inglês que impôs a segunda e definitiva abdicação a Napoleão ao batê-lo em Waterloo. (Não venceu sozinho, é verdade. Alguns historiadores sustentam que Wellington estava prestes a determinar a retirada de suas forças quando os prussianos chegaram para apoiá-lo.)

Wellington em Waterloo

Bem, esse batalhão, como sugere o nome, portava rifles, ou carabinas. Não era usual, ainda. Havia entre os militares a noção de que apenas a espada era uma arma nobre. Era um grupo inovador, o 95.o. Para ser promovido, você tinha que saber ler e escrever, o que era raro entre os soldados.

Me chamou a atenção uma máxima de Wellington. Ao sofrer um ataque, alguns carabineiros fugiram. Ele disse o seguinte: “Todos os soldados, uma hora ou outra, fogem. A questão é a rapidez com que retornam.”

Passei a admirar Wellington ao ler essa reflexão. Ele foi um dos raríssimos britânicos fora dos monarcas a merecer honras de chefe de Estado na morte. Isso significa um cortejo grandioso e três dias de homenagens de corpo presente em Westminster, a sede do Parlamento. No século passado, apenas Churchill foi enterrado assim. Discutiu-se  se Margaret Thatcher devia também merecer esse tributo. Não mereceu.

Waterloo é uma instituição britânica, cheia de anedotas. Uma delas conta que Wellington cavalgava no final da batalha com o Visconde de Uxbridge. Um disparo se ouviu e Wellington percebeu que o visconde fora atingido. “Por Deus, você perdeu uma perna”, disse Wellington. “Por Deus, perdi”, respondeu Uxbridge. Foi feita a amputação nas imediações. Uxbridge recolheu os restos de sua perna e os enterrou em seu jardim.

Wellington tinha noção da importância dos símbolos. Uma vez, ele se surpreendeu ao ver soldados usando guarda-chuvas para se proteger do mau tempo. Proibiu-os. Disse que, fora da zona de combate, os guarda-chuvas eram aceitáveis, mas dentro eram não apenas “ridículos como antimilitares”.

Eu já me apropriara de uma frase antológica de Wellington. Alguém lhe perguntou se ele era uma determinada pessoa. “Quem acredita nisso, acredita em tudo”, respondeu.

Quando ouço uma barbaridade, logo me vem a sentença wellingtoniana. Escrevi essa frase algumas vezes em referência ao atentado de bolinha de papel sofrido por Serra.

Passo agora a incorporar também aquela outra tirada de Wellington. Vale para a vida militar e para tudo, afinal.

Todos nós fugimos de algo que nos amedronta e initimida, cedo ou tarde. A diferença é a rapidez com que retornamos.