Aliados sacam da cartola portaria nula do governo Temer para defender Bolsonaro no escândalo das joias

Atualizado em 13 de agosto de 2023 às 21:38
Ronaldo Fonseca e Jair Bolsonaro durante campanha eleitoral de 2022. Foto: Reprodução

Apoiadores e aliados de Jair Bolsonaro (PL) têm usado uma portaria nula editada no final do governo Temer, em 2018, para tentar justificar os crescentes indícios de roubo de joias da Presidência pelo entorno do ex-presidente para vendê-las e reverter o dinheiro para ele, revelados em investigação da Polícia Federal. Segundo essa fantasia, Tribunal de Contas da União (TCU), Supremo Tribunal Federal (STF) e PF estariam “enganados” no caso, já que existiria uma “lei” autorizando Bolsonaro a se apropriar dos bens públicos.

A portaria em questão foi assinada em novembro de 2018 pelo pastor e ex-deputado federal Ronaldo Fonseca, então ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República no governo de Michel Temer (MDB). De acordo com a norma, joias e semijoias podem ser considerados itens “personalíssimos” e incorporados ao patrimônio pessoal do presidente.

Um acórdão do TCU proferido dois anos antes, em 2016, no entanto, torna nula a portaria já que a decisão colegiada já havia decidido que joias não poderiam ser incorporadas ao acervo pessoal do presidente. A norma editada pelos ministros do tribunal de contas não pode ser mudada por uma canetada de um ministro qualquer.

A medida, tomada no apagar das luzes do governo Temer, no entanto, tem sido usada como argumento para defender que joias, como as recebidas por Bolsonaro e pela ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, sejam incorporadas ao acervo privado do presidente e não ao acervo patrimonial da Presidência.

Neste domingo (13), o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) compartilhou a portaria assinada por Fonseca nas redes sociais.

O advogado Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação da Presidência no governo Bolsonaro, também usou as redes para compartilhar o texto. “Perfeito”, escreveu o bolsonarista no Twitter.

 A troca de presentes valiosos é comum em protocolos diplomáticos, mas existem regras que disciplinam o tratamento a ser dado a esses objetos. A PF vê indícios de que o ex-presidente e assessores podem ter burlado essas normas e praticado o crime de peculato, quando um agente público usa o cargo para obter ou desviar bens públicos.

É necessário ressaltar que um presidente recebe presentes como representante do País, e não como “pessoa física”.

A Portaria nº 59 de 8 de novembro de 2018 inclui joias como um dos “bens que forem de natureza perecível ou personalíssima”, que não precisam ser incorporados ao acervo do Planalto.

O texto, assinado por Fonseca e evocado na defesa de Bolsonaro, diz que não há necessidade de destinação ao acervo público presentes “recebidos pelo Presidente da República e consorte em situações caracterizadas oficialmente como cerimônias de troca de presentes” ou mesmo “recebidos protocolarmente, em decorrência de relações diplomáticas vigentes”.

Anexo da Portaria Nº 59, de 8 de novembro de 2018, considera joia item “personalíssimo”. Foto: Reprodução

A portaria do governo Temer, no entanto, contraria em um acórdão de 2016 do TCU, que estabeleceu que excluiu explicitamente as joias do rol de itens pessoais do presidente, permitindo a incorporação ao acervo pessoal apenas “itens de natureza personalíssima ou de consumo direto” recebidos de governos estrangeiros.

O tribunal também decidiu que os presentes recebidos em agendas e viagens oficiais devem ser incorporados ao patrimônio da União.

Há exceções para os “itens de natureza personalíssima”. Como exemplo, o TCU citou “medalhas personalizadas, bonés, camisetas, gravata, chinelo e perfumes”. Para que um presidente possa ficar com o material, é preciso que seja algo pessoal e que tenha um valor baixo.

O relator do caso à época, ministro Walton Alencar, deixou claro que joias preciosas não poderiam ser consideradas “personalíssimas”. “Imagine-se, a propósito, a situação de um Chefe de Governo presentear o Presidente da República do Brasil com uma grande esmeralda de valor inestimável, ou um quadro valioso. Não é razoável pretender que, a partir do título da cerimônia, os presentes, valiosos ou não, possam incorporar-se ao patrimônio privado do Presidente”, afirmou no voto.

Responsável por assinar a portaria que beneficia o casal Bolsonaro no caso, Fonseca é aliado político do ex-presidente e distribuiu material de campanha com foto ao lado de Michelle no pleito do ano passado, quando se candidatou a deputado federal pelo PP.

Ronaldo Fonseca e Michelle Bolsonaro. Foto: Reprodução

O ex-ministro de Temer perdeu a disputa, alcançando apenas 13.687 votos, apesar dos mais de R$ 1,5 milhão investidos com dinheiro dos diretórios nacional e distrital de seu partido.

Na operação Lucas 12:2, deflagrada na última sexta-feira (11), a PF apontou que além de ter vendido – e depois recomprado – um relógio de alto valor, o entorno do ex-presidente também tentou vender esculturas douradas de um barco e de uma palmeira e um conjunto de joias com anel, abotoaduras e um tipo de rosário.

Um Rolex e um outro relógio de luxo, da marca Patek Philippe, foram vendidos por US$ 68 mil, cerca de R$ 332 mil na cotação da época.

Segundo a investigação, Bolsonaro recebeu valores oriundos das negociações realizadas por aliados em dinheiro vivo, o que pode configurar crime de peculato.

A corporação realizou buscas e apreensões em endereços ligados ao advogado Frederick Wassef e ao general Mauro Cesar Lourena Cid, pai do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

Com informações do “Brasil de Fato”

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