Renato Pereira, que atua como estrategista de campanha eleitoral, afirmou que o deputado ultradireitista Javier Milei pode vencer no primeiro turno as eleições presidenciais da Argentina, em 22 de outubro. Em entrevista ao GLOBO, o publicitário ainda disse que a “chance de ter uma onda Milei é enorme”.
Pereira foi o responsável pelas campanhas de Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, ex-governadores do Rio de Janeiro, e do prefeito do Rio, Eduardo Paes, entre 2010 e 2016. Por esses trabalhos, fez um acordo de delação premiada, homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018, no qual revelou casos de caixa dois, direcionamento de licitações e pagamento de propina quando era sócio da agência Prole. Confira:
O senhor já trabalhou com candidatos argentinos e esteve até julho envolvido na atual campanha. Ficou surpreso com o resultado das primárias de domingo?
Não fiquei surpreso de jeito nenhum. Conheci Milei em 2021, quando trabalhava com Facundo Manes, candidato para as legislativas daquele ano que obteve mais de um milhão de votos, um bom resultado para alguém que também vem de fora do sistema político. Naquele momento, estava baseado no bairro de Vicente López [na Grande Buenos Aires] e um dia, saindo do hotel, vi que acontecia um show de rock, as pessoas todas vestidas de preto: era um dos primeiros comícios do Milei. Fiquei boquiaberto e passei a acompanhar o Milei desde então. Durante todo esse período, a ideia do Facundo era ser uma espécie de outsider do bem, e o Milei trilhou um caminho muito mais histriônico e contundente.
Milei seria um outsider do mal?
Acho que criamos um viés desnecessário quando olhamos o que está acontecendo, que impede que vejamos o principal. Achei que Milei ganharia desde que o conheci. No final da campanha, antes das Paso, fui uma das vozes isoladas no Brasil e na Argentina. A maioria das pessoas dizia que o Milei já era. Sempre disse que ele ganharia ou, no máximo, ficaria em segundo lugar. As pesquisas erraram pelo mesmo viés que muitos têm ao olhar o que está acontecendo. Milei faz parte de um fenômeno que é global. Você pode observar [Volodymyr] Zelensky, presidente da Ucrânia, ou o Movimento 5 Estrelas [da Itália], [Marine] Le Pen [na França], Pablo Iglesias [na Espanha], [Pedro] Castillo [no Peru], Gabriel Boric [no Chile], [Jair] Bolsonaro e Milei. O que muda entre eles é o crachá. Alguns são de esquerda, outros de direita e outros de ultradireita. Mas a digital antissistema é a mesma. Acho que temos olhado muito pro crachá, com os óculos de um mundo dividido entre esquerda e direita que não é mais suficiente para dar conta do que vemos. A fissura — o que os argentinos chamam de “grieta” — do momento é entre uma base de precarizados e a elite. Essa turma é a que está sendo mobilizada por Bolsonaro, Donald Trump nos Estados Unidos. Foi o que fez Iglesias na Espanha.
Milei conseguiu mobilizar os precarizados argentinos?
Sim, que é uma categoria ampla e transversal. Ela pega desde os que fazem entregas de bicicleta, colegas de profissão que viraram freelancers, pessoas com doutorado que não encontram uma carreira segura com plano de saúde. São pessoas que vão se precarizando, e claro que na massa dos mais pobres essa turma é muito mais representativa. Nos países com realidades sociais mais complexas, como Brasil e Argentina, eles proporcionalmente são muito maiores do que os não precarizados. São pessoas sem perspectiva, que vivem cada vez pior em todos os sentidos. Porque não se trata apenas de economia, também de autoestima. Como você encara seu filho de noite se não sabe como será seu dia de amanhã? (…)
O senhor imagina um segundo turno entre Milei e Sergio Massa?
Não, porque eu acho que não haverá segundo turno. Muitos argentinos não acreditavam que Milei pudesse ganhar, e agora sabem que é possível. A chance de ter uma onda Milei é enorme.