A nomeação de Cristiano Zanin para o STF – o ministro mais reacionário da Corte – desatou um sentimento de desencanto com o governo por parte de setores de esquerda de classe média, de trabalhadores organizados, do mundo da cultura e da intelectualidade. O desalento atinge gente que não mediu esforços para eleger Lula. O sentimento está nas redes, está em manifestações do meio esportivo contra a transformação do ministério dos Esportes em pix para o centrão, está no espanto com as ideias de se acabar com a transparência no Supremo, na estupefação do funcionalismo público com a perspectiva de congelamento salarial, na inacreditável proposta de se torpedear os pilares da Carta de 88, os pisos de Saúde e Educação, nos sucessivos recuos diante do golpismo das forças armadas e muitos tecéteras.
A degradação mais recente expressa-se nos ataques fundamentalistas a Gregório Duvivier por sua ousadia em afirmar que as coisas não vão bem. Contra ele, toda baixaria é pouca, provinda de sites governistas e de chusmas de aduladores oficiais.
Há paradoxos. Ao mesmo tempo em que inimigos são escolhidos a dedo entre gente que colocou empregos, relações profissionais e laços de amizade em risco para fazer o L no auge dos ataques da extrema-direita, o governo exibe nova turma de amigos do peito. São vultos como Lira, Fufuca, Juscelino, Múcio e outros figurantes que até ontem se aboletavam nas franjas do bolsonarismo e/ou do golpe. Gente que se a canoa virar, não apenas dela saltará num piscar, como erguerá o indicador moralista contra a administração que hoje lhe dá boa vida.
O governo brinca com fogo. Sabe da existência de uma ameaça fascista, mas não move uma palha para isolar suas lideranças e promover uma retirada de tais hidrófobos da máquina pública. Ouso dizer que o fascismo acaba tendo sua funcionalidade para uma gestão cujo leme aponta para o conservadorismo. A existência do demônio absolve, por contraste, qualquer santo de pau oco. O perigo da extrema-direita é real e a liderança petista sabe que nenhum dos críticos progressistas deixará de apoiar o governo enquanto ela existir.
É também pouco provável que, de imediato, os desatinos oficiais retirem pontos na popularidade de Lula. A injeção de mais de R$ 150 bilhões na economia, a partir da PEC da Transição, garante um razoável crescimento do PIB, enquanto as restrições do arcabouço fiscal não se fizerem sentir.
Esses pressupostos – a real ameaça fascista e a manutenção da alta nas pesquisas – alimentam certa soberba e empáfia governista. Essa constatação momentânea dá aos novos minions a certeza de que os desatinos podem continuar sem problemas.
Quem não muda de lado não abre mão da crítica incisiva. Crítica em apoio e defesa do governo Lula, por piores que sejam suas escolhas.
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