O que leva um garoto negro a gritar diante das câmeras contra a implantação de cotas raciais nas universidades e em concursos públicos? Fiquei com a dúvida após ver o vídeo de um tal Fernando Holiday, no qual ele critica a ação de militantes negros durante uma aula da USP.
“Nós negros e pobres podemos sim vencer na vida através do mérito, não precisamos ficar como vermes, como verdadeiras parasitas atrás do estado, querendo corroer cada vez mais e mais, com esse discurso de merda, com esse discurso lixo. Vocês fazem dos negros verdadeiros porcos no chiqueiro, que ficam fuçando a lama através do resto que o estado tem a nos oferecer. Pobres da periferia, negros da periferia, não se submetam a esse discurso”, vocifera.
Senti um certo mal estar durante os pouco mais de cinco minutos de discurso, em que ele agiu como o pior dos racistas ao comparar negros com vermes. Se chamar de macaco é execrável, desumaniza o ofendido, o que dizer de vermes, seres de uma escala ainda mais baixa da cadeia evolutiva? Judeus eram chamado de ratos pelos nazistas.
Não dá para saber de onde vem tanto rancor, mas só pode ser esse rancor que o faz ignorar o contexto histórico e as pesquisas que comprovam a necessidade de cotas raciais nas universidades. Segundo estudo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), “no ensino superior, a desproporção entre a presença da população preta e parda e a população branca triplicou entre 1976 e 2006. Se em 1976 5% dos brancos com mais de 30 anos possuíam diploma superior, contra 0,7% dos negros, em 2006 os brancos que possuíam algum diploma de ensino superior somavam 18% da população, contra apenas 5% dos negros. A despeito de uma substantiva expansão da oferta de vagas no ensino superior nesse período, o hiato racial não se reduziu. Tal realidade começou a se modificar somente a partir da adoção das políticas de ação afirmativa, no começo dos anos 2000”.
Outro estudo, do IBGE, constatou que de 2001 a 2011 o percentual de negros no ensino superior passou de 10,2% para 35,8%, consequência, em parte, das ações afirmativas que começaram a ser implantadas a partir de 2003. Apesar do aumento, o percentual ainda está abaixo dos 50,7% de negros na população do país, mostrando a urgência em consolidar as políticas de cotas.
Mesmo perplexo, a princípio considerei o vídeo um desatino adolescente do qual Holiday se envergonharia depois de conhecer melhor as estatísticas relativas à população negra, mas mudei de ideia ao pesquisar a página dele no Facebook.
A fanpage obedece à cartilha reacionária e tem posts odiosos contra Dilma, o PT, esquerdistas, feministas, além de convocações para a próxima manifestação contra o governo.
A birra contra as cotas é uma constante e aparece já no primeiro vídeo, em que a negação ao racismo se encontra com a misoginia: “Se é assim, vamos fazer cotas pra gostosa (…) porque tem muito lugar que está faltando. A Fefeleche que o diga, senão não seria aquele zoológico, aquele pulgueiro”. Fefeleche é a alcunha da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH), um dos alvos prediletos da patrulha neoconservadora.
Holiday, de 18 anos, é ligado ao Movimento Brasil Livre, uma das entidades “liberais” organizadoras dos protestos de 15 de março. Mistura em seus discursos o inconformismo classe média de Rachel Sheherazade com o histrionismo chulo de Luiz Carlos Alborghetti.
Chegou a ser aprovado para o curso de Filosofia da Unifest (Universidade Federal de São Paulo), mas disse à Folha, em entrevista durante o protesto, que ainda está decidindo onde irá estudar. Na ocasião, informou que foi convidado para entrar no MBL após a repercussão de um dos seus vídeos.
Talvez ele seja um fantoche nas mãos do movimento ou aja por convicções próprias. O mais provável é uma combinação das duas situações, na qual o MBL encontrou a figura perfeita para anular as críticas de que é reduto da elite branca e o Holiday fica famoso com milhares de curtidas no Facebook. Eles se merecem, enfim.
Seja uma coisa ou outra, é triste ver um adolescente negro chamar a luta por ações afirmativas de “discurso da vagabundagem” e fazer o papel de capitão do mato.
Só resta esperar que Holiday possa, uma hora, se livrar dessa miséria psicológica. A realidade (e ele obviamente sabe disso) é que ele sempre será preto.