Flávio Dino de Castro e Costa, 46 anos, advogado, foi um dos coordenadores da ala juvenil da campanha de Lula em 89, na sua época de movimento estudantil, e presidiu a Associação Nacional de Juízes Federais (Ajufe). Saiu da carreira jurídica aos 38 anos para se dedicar à política.
Em 2014, foi eleito o primeiro governador do PCdoB no Maranhão, rompendo com décadas de dinastia da família Sarney. A vitória foi conquistada com 63,71% dos votos válidos. Sua vitória foi uma surpresa porque seu opositor Edison Lobão teve ampla cobertura e apoio da mídia local.
Conversamos com Flávio Dino sobre a força da família Sarney em seu estado, a Operação Lava Jato, e as relações da gestão Roseana Sarney com o doleiro Alberto Youssef.
Qual é a real influência dos Sarney no Maranhão? Eles continuam com muito poder?
A dominação dos principais meios de comunicação pelo grupo Sarney foi construída ao longo das décadas, inclusive com o uso de influência na esfera nacional. E isso não se encerrou com a mudança da administração estadual. Os maiores impérios de comunicação continuam sob o domínio do grupo Sarney e seus aliados, muitas vezes sendo utilizados como plataforma de vinganças, agressões e sectarismos.
Para enfrentar esse cenário que permanece, temos apostado na mobilização social, na interiorização das ações de governo e vamos iniciar um processo de democratização da política oficial de comunicação. Antes ela era direcionada quase que exclusivamente aos veículos ligados à família Sarney. Pensamos em trilhar o caminho da pluralização das vozes que atuam no espaço público maranhense. Monopólios e oligopólios são muito nocivos, e isso está na Constituição.
O senhor acha que existe possibilidade de algum dos Sarney voltar ao poder no Maranhão?
O poder do grupo Sarney não se encerra com a derrota nas urnas, pois ainda possui uma complexa rede de sustentação. Provavelmente o que haverá é uma reorganização desses setores. O nosso trabalho será para que, independentemente dos sobrenomes dos próximos governantes, que eles não retrocedam nos avanços sociais e que jamais governem novamente com um poder coronelista, antidemocrático e antipopular.
O senhor acredita que o PMDB está se rebelando dentro da base aliada do governo Dilma?
Tenho insistido que a crise econômica internacional, que só agora chegou mais fortemente ao Brasil, deve ser enfrentada mediante um amplo entendimento nacional. Claro que o exemplo deve começar da base governista. O PMDB já está muito bem contemplado na aliança de governo e não tem razões reais para provocar instabilidades. Quando analiso essas questões, sempre penso como seria bom um diálogo entre o PT e o PSDB, os dois principais partidos brasileiros que polarizaram as seis últimas eleições presidenciais. Ajudaria o país a continuar avançando. O palanque de Lula no segundo turno de 1989 não sai da minha lembrança.
Certo, mas e a reação forte do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que está na lista de acusados da operação Lava Jato? Não é um sinal de rebelião?
Acho que todo acusado de crimes tem o direito sagrado de se defender. O Supremo Tribunal Federal tem grande independência institucional no Brasil, de modo que não creio que eventuais pressões políticas possam alterar o rumo das coisas. Quem tiver envolvido em crimes deve ser punido. Isso vale para todos, incluindo ele, se algo for provado, e todos os partidos. Não devem existir “intocáveis” em uma República verdadeira.
O que o senhor achou das denúncias que resultaram na lista dos 47 políticos indiciados pelo procurador Rodrigo Janot e que devem ser investigados?
O Brasil já passou por atribulações parecidas. Basta que a gente lembre da CPI dos anões do orçamento em 1993. É preciso ter serenidade e paciência. Deixar as instituições cumprirem suas funções com liberdade. São disparatadas as ameaças de retaliações contra o Ministério Público. Acho que há um natural choque nesse primeiro momento. Porém, depois tudo deve se acalmar. Quem realmente cometeu coisas erradas deve ser punido. E vários serão absolvidos, pois terão processos arquivados. Certamente o povo sabe separar o joio do trigo.
O senhor mandou apurar um precatório relacionando Roseana Sarney e Alberto Youssef na Lava Jato?
Foi um dos decretos assinados ainda no dia 1º de janeiro, quando eu assumi o governo do Maranhão. Instituímos uma comissão que está analisando todas as etapas da estranha transação que levou aos pagamentos. O doleiro Alberto Youssef foi preso em São Luís por causa desse precatório. E ele diz que pagou propinas a autoridades do governo passado. Claro que nós ainda temos que apurar a verdade nisso.
No momento, os repasses das parcelas do precatório foram suspensos e as investigações estão sendo realizadas pela comissão formada por membros da Procuradoria Geral do Estado, da Casa Civil e da Secretaria de Transparência e Controle. Existem também investigações na polícia, cujo seu desfecho nós aguardamos. Estamos investigando o precatório entre o governo Roseana Sarney e Alberto Youssef.
O que tem achado da atuação do juiz Sérgio Moro na investigação da Lava Jato?
Conheço o juiz Sérgio Moro, respeito muito sua trajetória e sua atuação em nome da probidade administrativa. Natural e democrático que acusados reajam a decisões que consideram injustas. Claro que não conheço todos os detalhes dos processos judiciais, mas à distância me parece que o juiz Moro tem feito um trabalho acertado e legitimado por critérios técnicos.
São processos importantes para a política brasileira, para que a partir deles sejam revistas inclusive as regras das eleições, com a o fim do financiamento empresarial das campanhas. Ou, pelo menos, que haja leis de limites de gastos, impondo campanhas mais baratas e isonômicas. Os gastos com campanhas no Brasil são absurdos se compararmos com outros países democráticos. Aí está a maior fonte de problemas, que se transformam periodicamente em grandes escândalos.
Houve cortes de 400 pagamentos com irregularidades no governo e até do salmão e do bacalhau de cardápio previstos em licitação. Sua gestão será marcada pela austeridade?
Recebemos um estado com muitas dívidas e caixa quase zerado. Encontramos nos cofres do governo um saldo de R$ 24 milhões, mas com uma dívida que superava R$ 1,3 bilhão. Diante deste cenário, estamos fazendo cortes de custeio, sobretudo no que se refere ao fim de privilégios que existiam na máquina pública e no combate firme a superfaturamentos e desvios.
Foram essas medidas que nos permitiram honrar compromissos inadiáveis e aumentar despesas em áreas essenciais, como a educação. Reajustamos os salários dos professores e contratamos mais para garantir aulas normais aos nossos jovens.
Como é assumir um governo com uma dívida bilionária?
Lamentamos muito que a Lei de Responsabilidade Fiscal não tenha sido cumprida. O que causa mais indignação é que não havia razões econômicas para tantos problemas que herdamos. Na verdade, houve a priorização de gastos absurdos pelo governo passado, enquanto que coisas sérias iam sendo dolosamente atrasadas. Por exemplo, só a má fé pode explicar deixar contas de energia atrasadas. Houve uma deliberada política de “terra arrasada”.
Como o senhor se sente como o primeiro governador eleito do PCdoB em todo país?
Tenho muita responsabilidade e também muita vontade de fazer as mudanças necessárias no Maranhão. O PCdoB tem uma trajetória de lutas pelos direitos dos trabalhadores e pela defesa do desenvolvimento soberano da nossa Nação. Me filio a essa tradição com muita alegria.
Por que seu partido não tenta mais vezes as eleições para cargos executivos?
Nosso partido valoriza e respeita muito seus aliados. Sempre levamos em conta qual o partido que, em dada conjuntura, está em posição melhor para liderar os processos de transformação. No combate à ditadura, participamos de uma grande frente que era o MDB. Depois de consolidada a democracia, desde 1989 consideramos que o PT passou a ser uma força política determinante para as propostas que defendemos no plano nacional. Isso não impede que mantenhamos identidade própria e às vezes até enfrentemos o PT, quando consideramos que sua política não é a mais adequada para um determinado estado ou município.
O que o senhor achou das escolhas de Dilma para o Ministério da Fazenda e o time econômico? Foi uma ruptura necessária da condução do país?
A história vai responder isso. Numa conjuntura econômica extremamente adversa, alguma alteração da política fiscal infelizmente era necessária. Só espero que a nova equipe não erre na dose do ajuste, o que poderia provocar uma desastrosa recessão e total paralisia dos investimentos. E é preciso que haja medidas de ampliação da arrecadação sobre o capital financeiro e sobre as grandes fortunas.
O senhor diz que fará a “revolução burguesa” no Maranhão. Quando haverá a revolução comunista maranhense?
Sou socialista e luto por um novo caminho para a humanidade e para o meu país. Obviamente conheço os limites econômicos e constitucionais que regem a minha função de governar um estado. Quando falei em “revolução burguesa”, refiro-me ao momento da história da humanidade em que determinados postulados tornaram-se hegemônicos, a exemplo da igualdade de todos perante a lei. Esse postulado em tudo é incompatível com um regime oligárquico e coronelista como tínhamos no Maranhão. Com essas premissas, vejo que governar com um pensamento de esquerda significa, acima de tudo, buscar promover o máximo de igualdade possível. Essa é a maior meta, com a garantia crescente de serviços públicos e direitos básicos para todos.