O caso do desembargador acusado de manter uma empregada doméstica surda em situação análoga à escravidão provocou um conflito entre o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), e o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida. Com informações da colunista Malu Gaspar, do Globo.
Na última sexta-feira (8), Mendonça manteve uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que havia permitido o desembargador Jorge Luiz Borba, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), a manter contato com Sônia Maria de Jesus, emprega doméstica que teria sido mantida na sua casa do magistrado sob trabalho escravo.
De acordo com investigações do Ministério Público do Trabalho (MPT), Sônia vivia na casa do desembargador há duas décadas sem receber salário, sem ter registro na carteira e sujeita a trabalho forçado e abusos.
Depois da decisão do STJ, ela decidiu voltar à casa do desembargador. Contudo, Silvio Almeida enviou um e-mail expressando sua preocupação sobre a situação ao gabinete de Mendonça, com o assunto “Decisão em habeas corpus – Sônia Maria de Jesus”.
“Sabedores do compromisso de Vossa Excelência para com os mandamentos constitucionais, sirvo-me do presente para demonstrar preocupação com o caso e suas repercussões para os direitos da senhora Sônia Maria de Jesus e para o respeito aos direitos humanos em geral, notadamente das pessoas com deficiência”, escreveu o ministro do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Almeida lembrou que a decisão de Mendonça negou uma liminar solicitada pela Defensoria Pública da União, que buscava evitar o retorno de Sônia à casa do desembargador. O ministro ainda alertou sobre os “fortes indícios de versões contemporâneas de escravidão” no caso da empregada doméstica.
O ministro do STF, em vez de responder ao e-mail, transformou a mensagem em uma petição, abrindo um novo processo na Suprema Corte para tratar do assunto e exigir explicações de Silvio Almeida.
Mendonça concedeu um prazo de 24 horas para que Almeida apresentasse documentos que atestem os “fortes indícios” mencionados, informe quando e por quem tomou conhecimento desses fortes indícios e detalhe os “atos que tenha adotado, na condição de Ministro de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania, para o fim de proteger os direitos e interesses” de Sônia Maria de Jesus.
Membros do governo Lula consideraram a ação de Mendonça como “inusitada”, “desaforada” e uma possível “tentativa de intimidação”, já que não identificaram precedentes nesse sentido – de um e-mail de uma autoridade dar início à abertura de um processo no STF.
Em resposta, o ministro dos Direitos Humanos explicou que a investigação em torno das condições de trabalho de Sônia corre em segredo de Justiça e que não é responsabilidade da pasta conduzir essa investigação.