O mundo da aviação tem seus mistérios. O maior deles, provavelmente, é a capacidade do pessoal que vai em executiva, ou primeira classe, de entrar sem ser notado. Pode reparar. Quando nós, o povão, a patuleia, estamos nos dirigindo para o matadouro da econômica, eles já estão milagrosamente instalados em seus tronos, lendo um jornal, como se morassem ali há tempos e nós estivéssemos invadindo seu jardim de inverno. “Traga-me uma dançarina do ventre e uma taça de algo super-refrescante. Alguém tem um violino? Faça alguém da econômica tocá-lo. Agrade-me.” Muitos deles estão trabalhando quando você passa no corredor. Batucam em seus laptops e eventualmente levantam o olhar até você. “Estou ganhando dinheiro. Agora mesmo. Muito dinheiro. Agora vá para o fundão. Feche essa cortina. Não quero você na minha visão periférica. Xô!”
Enquanto isso, na econômica, nós travamos uma guerra silenciosa com o sujeito ao lado para ver quem fica com o pedaço menos desconfortável do braço da poltrona. É uma luta sem tréguas. Se preciso, não vou ao banheiro, ainda que o voo dure 12 horas. Questão de honra. E a comida? Está chegando o dia em que a aeromoça – perdão, comissária de bordo – servirá cabeça de peixe no jantar. Sem opção kosher.
Só existe uma maneira de acabar com essa aberração: revolução. Proponho que, da próxima vez em que você se encaminhar para a cadeira 115F, ao lado do banheiro, com inclinação de menos 1 grau, amotine-se. É o que eu vou fazer. A econômica é o retrato acabado da desigualdade social do Brasil. Pode ser até justo que quem pague mais fique nos melhores lugares, mas quem está falando de justiça? Estou falando de inveja, mesmo.
Vamos invadir o espaço da turma da frente. Vamos tomar os martínis deles e comer o foie gras. Vamos derrubar o muro da vergonha e transformar o avião em uma espécie de Suíça voadora, com alto índice de qualidade de vida para todo mundo. A rebelião só estará terminada quando o último comissário dirigir um pedido de desculpas para nós: “Peço perdão por tê-los ignorado e por ter fingido não os ouvir quando vocês me chamavam. Fiz isso porque vocês, da econômica, sentavam-se na econômica. Mas vocês também são gente. Eis o meu cartão. Quando quiserem um upgrade em qualquer voo para qualquer lugar, é só falar comigo. Eu amo vocês”. Conto com você, companheiro e companheira.