Há um momento em que se dá a ruptura da caminhada em direção ao golpe e se esfarela algo que, mesmo na hora derradeira, o general Braga Netto vislumbrava como alguma coisa sólida, mas ainda em construção.
No dia 18 de novembro do ano passado, cercado por militantes derrotados e chorosos no Alvorada, Braga Netto diz, como um pregador religioso do novíssimo testamento da extrema direita:
“Vocês, não percam a fé. É só o que eu posso falar agora”.
É preciso “dar um tempo”, ele completa, pedindo calma com as mãos. Que tivessem paciência, mas sempre preservando a ambição do que estava por vir. O que mais Braga Netto não podia falar? Que segredo poderia ter o general derrotado cercado por golpistas?
Logo depois, no dia 24, Bolsonaro chamaria os comandantes militares ao Alvorada. A fé começa a ser desfeita, como já se sabe. Só Almir Garnier Santos, da Marinha, topa ir em frente com o golpe, e Bolsonaro, pela versão que mais circula, ouve o comandante do Exército, Freire Gomes, dizer que, se insistir com o plano, ele irá mandar prendê-lo.
O Brasil merece saber como, depois do alerta do general, as coisas se acomodam entre os comandantes, mas não a ponto de conter os que apostaram no 8 de janeiro.
É a parte ainda encoberta do enredo. Sabemos, começando lá pelo início, que em março de 2021 o general
renuncia ao Ministério da Defesa, levando junto os três chefes militares.
Sabemos que Bolsonaro chama Braga Netto para o lugar de Azevedo e Silva, escala os novos comandos e a situação fica controlada.
Vemos que, no final de 2021, Azevedo e Silva se prepara para assumir a direção geral do TSE, numa jogada que parecia interessante de Edson Fachin e Alexandre de Moraes. E ficamos sabendo, em fevereiro de 2022, que general saltaria fora da missão de ajudar na defesa da democracia.
O resumo, desde março de 2021, é pavoroso. O chefe da Defesa e comandos militares desistem de seguir com Bolsonaro e logo adiante o mesmo chefe que renunciara se dá conta de que, sem quartel e sem tropas, não poderia enfrentar a fúria de colegas fardados. Foi-se embora o guardião do TSE e da eleição.
Temos então a caminhada em direção à preparação do golpe, com o novo chefe da Defesa, com novos comandantes e sem uma trincheira com moral fardada na porta do tribunal encarregado de fazer com que a eleição acontecesse de qualquer jeito.
O caminho fica aberto e o núcleo bolsonarista se convence de que tudo daria certo, se todos tivessem fé. Deveriam ter fé de que venceriam a eleição e, depois, se a eleição falhasse, no caos que levaria ao golpe.
Braga Netto é quem surge até agora como o provável encarregado por Bolsonaro de levar, pelo histórico, pela força e pela reputação, a pregação da fé aos anônimos em desespero e de juntar os comandos na reunião de 24 de novembro.
O que se tem a partir daí pode resultar no que a ciência política e a ficção, na literatura e no cinema, já consagraram. A verdade tem detalhes que se afirmam ou se depreciam conforme as versões de quem conta a história, na maioria das vezes com sombras que mais confundem do que esclarecem.
Mas os detalhes, nas versões de cada envolvido, não podem desfigurar o essencial. E a essência está nas atitudes dos que aderiram ao golpe, dos que o rejeitaram e dos que se calaram diante da ameaça.
Os que tiveram fé e a perderam, os que nunca a tiveram e os que fingiram não ter nada a ver com a fé dos outros, todos eles são personagens do golpe. Pela participação ativa, pela rejeição categórica e pelo falso distanciamento que empurrou manés e terroristas para o 8 de janeiro.
Braga Netto sabe, muito mais do que Mauro Cid, quem ajudou a construir a fé, quem absorveu a fé espargida desde o Alvorada e quem, num último momento, deixou que a covardia (e não o legalismo) comesse todas as fés que estivessem por perto.
Por isso o general deve ser ouvido pela CPI do Golpe no dia 5 de outubro. No fascismo religioso, muito mais do que por falta de comandantes, soldados e armas, o golpe pode ter fracassado por falta de fé dos que deveriam ser os mais fervorosos.