O pesquisador Francisco “Chico” Carlos Teixeira da Silva é historiador e cientista político na UFRJ, especializado em levantamentos sobre os militares. Trabalhou no Ministério da Defesa.
É formado em História e Educação pela UFRJ e realizou estudos de pós-graduação na UFF, USP, na Freie Universität Berlim, na Technische Universität Berlin e na La Sapienza, de Roma.
Publicou em 2022. com Karl Schurster, o livro “Passageiros da tempestade: fascistas e negacionistas no tempo presente” pela Cepe Editora.
Falou no programa DCM Ao Meio-Dia que foi professor do tenente-coronel Mauro Cid, que hoje faz delação premiada e pode comprometer Bolsonaro, e sobre o vexame de Augusto Heleno na CPMI do golpe.
Veja os principais trechos.
“Militares usam a imprensa para divulgar narrativas mentirosas”
O equilíbrio entre Parlamento e Supremo Tribunal e Cortes superiores é hoje fundamental. Estamos vendo momentos nas CPIs em que aparece uns golpistas jogando pedras nos outros dentro do mesmo acampamento, né?
A primeira coisa é que fica clara e isso não pode ser delírio é que havia apoio das Forças Armadas. Havia apoio particularmente do Exército.
Nesse sentido, a entrevista dada pelo general Freire [Gomes], comandante do Exército do período de Bolsonaro, de que “prenderia o ex-presidente se tivesse golpe” perdeu qualquer credibilidade. Já não tinha antes e agora não tem nenhuma credibilidade mesmo. Me parece que é uma peça de propaganda que usa a grande imprensa corporativa para divulgar versões.
Suas narrativas, como eles dizem hoje. Militares usam a imprensa para divulgar narrativas mentirosas.
A segunda coisa que está clara é que esses acampamentos já tinham essa nova língua fascista. Esses acampamentos eram uma fonte de desequilíbrio de perturbação da ordem constitucional. Ficou claro que havia terroristas que armavam bombas e que recebiam bombas dentro desses acampamentos.
E me parece estranha a suposta delação do tenente-coronel Mauro Cid. Falo suposta porque eu não li o documento na íntegra. Por sinal, ninguém leu ainda. A gente só sabe o que eles querem revelar em pequenas doses. Essas suposta delação acusa o almirante Almir Garnier, o comandante da Marinha, de ter sido o único apoiar o golpe.
Isso também não é de maneira alguma convincente. Sabemos evidentemente que o almirante é um bolsonarista convicto que organizou aquele desfile de blindados queimando diesel e que chegou ao comando da Marinha.
Parece muito mais claro que é uma tentativa do Cid de salvar o que pode ser salvo do incêndio. Ele não acusa ainda aqueles generais palacianos, como Augusto Heleno, general Ramos, Braga Neto, Paulo Sérgio.
Quando eu estive no Ministério da Defesa [2012], eles falavam uma coisa bem interessante: É mais fácil a Marinha do Brasil fazer um acordo com a Marinha da Argentina do que com Exército do Brasil.
Já disse isso algumas vezes e existe até materialidade histórica em cima disso, quando Getúlio se matou, aquele imbróglio todo que envolveu Carlos Luz, Café Filho e Lacerda na década de 1950. Na Revolta da Chibata, abolida escravidão, eles continuavam com a chibata. Sempre foi uma força muito pouco republicana e muito conservadora.
Outras pesquisas sobre militares
O coronel Marcelo Pimentel e o Piero Leirner são excelentes pesquisadores e têm contribuído enormemente para o esclarecimento da questão militar hoje no Brasil. Eu agora terminei um livro com a professora Maria Aparecida de Aquino da USP que será publicado.
Fiz uma caracterização do conjunto das pessoas que estudam militares no Brasil hoje. Fiz em dois grupos.
Um grupo que eu chamo de institucionalistas. Para eles, o objeto central da discussão é sobre a instituição militar.
Tanto Marcelo Pimentel quanto o Piero têm essa visão institucionalista, de que a instituição é dotada de uma inteligência global que organiza tudo, chega até o limite de organizar suas próprias derrotas. Elio Gaspari também. É o Partido Militar.
Todo o resto, nós cidadãos e até figuras lastimáveis como Bolsonaro, somos só marionetes disso.
Eu não concordo. Fico mais com um grupo societário, que vê na sociedade na dinâmica na luta dos grupos sociais, das classes sociais, aquilo que determina a história.
Inclusive a composição das Forças Armadas e como essas Forças Armadas participam da política. Chamo atenção para uma coisa que ao longo do meu período no Ministério da Defesa sempre me irritou, que foi a posição tomada já no primeiro governo Lula pelos comandantes militares.
Eles contrataram cursos de MBA na Fundação Getúlio Vargas para serem acoplados de forma obrigatória nos cursos de Estado Maior do Exército e da Marinha.
Esses professores da FGV passavam uma visão de uma doutrina ultraliberal contrária aos programas fundamentais do governo como Bolsa Família e o Fome Zero. A favor do Estado mínimo.
Tento mostrar a questão militar como uma questão societária. Não é corporativa internista institucional exclusiva das Forças Armadas.
O vexame de Heleno
A gente deu gostosas risadas do Augusto Heleno na CPMI. Mas ele é um cara que está presente no cenário nacional desde a ditadura militar como ajudante de ordens do Sílvio Frota. Ele viu o golpe lá atrás e participou dos golpes mais atuais.
Heleno foi o cara que incitou o antipetismo contra a Dilma Rousseff. Com essa ida, eu estou achando que ele não vai poder escapar muito não. E nem o Braga Neto.
Conversei com o presidente CPMI e com alguns deputados que fazem parte. Ficamos procurando o que iria irritar mais o Augusto Heleno. Lembramos da tentativa de golpe do Silvio Frota em 1977.
Acho que na década de 1940, as exigências para entrada no Exército eram muito fracas, muito frouxas, porque eu acho que Heleno não tem nem altura para servir o Exército. A não ser que ele tenha encolhido. Pessoas encolhem ao longo da história.
Na CPMI, Augusto Heleno tentou muito fortemente e não conseguiu desacreditar o Cid. Tentou mostrar o Cid como sendo mentiroso. Dizia que ele foi picado pela “mosca azul” e que não se sentava na mesa com Bolsonaro.
Mauro Cid pode não até não se sentar na mesa, mas ele não é surdo e está servindo de testemunha. Cid ouvia ele.
“Cid foi meu aluno”
Mauro Cid foi meu aluno. Um excelente aluno. Muito competente e inteligente. Foi meu aluno durante dois semestres em teoria de guerra e paz, além de metodologia da pesquisa. Teve nota máxima nas duas disciplinas. Mas não tenho culpa pelo que ele fez no governo Bolsonaro.
Cid fez doutorado sobre a utilização das forças brasileiras no Haiti e fez uma tese de alto nível que não é ruim, não. Por isso, é bom saber: estamos lidando com essa pessoa. Além de tudo, ele é oficial de forças especiais.
É filho do general Lourena Cid. Por tudo isso, destruiu o moral dele quando resolveu fazer a delação premiada. E eu comentei isso com alguns generais. Não se pode generalizar, mas caras com formação como a dele têm que ser resistentes a isso.
Eu adoro dar aulas na UFRJ, mas eu não disposto a morrer pela UFRJ. Os militares têm que estar dispostos a morrer pelo Brasil. Isso é uma diferença para nós diante deles.
Agora, me parece que aconteceu alguma coisa na prisão. O general Lourena Cid aparecia até então como um pai zeloso e preocupado, que falava com todo o Exército pedindo a liberdade do filho tenente-coronel.
O ministro Alexandre Moraes até requisitou o telefone do pai, que foi pego. O que estava lá? Nunca mais apareceu, né? Sumiram as tais transcrições do telefone do general Lourena Cid.
Em compensação, apareceu a delação do filho Cid. O elemento mais crucial não é a falsificação no cartão de vacinação, não é o recibo da joias, mas conversas sobre golpe de Estado com os generais do Alto Comando, com políticos, e com o então presidente da República.
Isso é o conteúdo que se esperava supostamente do telefone do general Lourena Cid, que saiu dos holofotes.
A grande imprensa esqueceu disso e imediatamente apareceu a delação do Mauro. Parece uma operação passa pano funcionando.
Veja a live na íntegra abaixo.
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