Por Helena Stephanowitz, na RBA.
Você bate o ponto e trabalha pelo menos oito horas por dia em uma empresa. Cumpre ordens e metas do chefe desta empresa. Mas no papel seu patrão oficial é outro de outra empresa, como se fosse “de fachada”, onde você não coloca os pés para trabalhar. Seu patrão oficial é uma espécie de “laranja” do patrão de fato.
Isto é o Projeto de Lei (PL) 4.330/2004, que libera geral a terceirização da mão de obra sem limites. De interesse apenas das grandes empresas, sem atender nenhuma demanda popular, sofre forte oposição de todas as entidades sérias de trabalhadores e da maioria dos juízes do Trabalho. Mesmo assim, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), retirou o projeto da gaveta e colocou em votação em regime de urgência.
O poder econômico que defende o projeto, diz que é “modernizante”, que é tendência, que não haverá perda de direitos, e outras balelas. Mas se o trabalhador continuasse ganhando o mesmo que ganha hoje, mantendo os mesmos direitos e benefícios, por que diabos um patrão iria pagar um intermediário, criando um custo a mais e reduzindo seu lucro, em vez de negociar diretamente com o empregado, sem pagar intermediários para isto?
É claro que é para pagar menos no salário, para dar menos benefícios e para precarizar direitos.
Um banco, em vez de contratar bancários para suas próprias agências, pagando o piso salarial dos bancários, poderá contratar “bancários genéricos”, por salários que chegam a ser 70% menores para fazer o mesmo serviço. O mesmo poderão fazer montadoras e estaleiros com os metalúrgicos, e qualquer grande empresa de qualquer setor econômico.
Além disso, se uma grande empresa tem quase toda a mão-de-obra terceirizada, os trabalhadores ficam enfraquecidos e em extrema desvantagem na hora de negociar reajustes salariais, participação nos lucros, condições de trabalho e direitos hoje consagrados, como vale refeição, cesta básica etc.
Toda luta para a organização da classe em sindicatos para terem voz ativa na hora de negociar com patrões fica, no mínimo, enfraquecida, senão desmantelada de vez.
Como negociar acordos coletivos de estabilidade no emprego, por exemplo, por com uma empresa que apenas aluga a mão de obra à outra? Impossível. Como negociar participação nos lucros, se o lucros de um banco, por exemplo, não são repassados para a empresa terceirizada? De que adianta haver piso salarial para a categoria, se não alcançarem as empresas terceirizadas?
Isto, sem falar que abre as portas do inferno para todo tipo de jeitinho para enganar a CLT.
Grandes construtoras podem deixar de assinar carteira pela CLT e obrigarem os “peões” a serem contratados como MEI (microempreendedor individual). A hora em que notarem a possibilidade, a prática logo chegará às fábricas, às redes de varejo e a todos os setores da economia.
O MEI foi criado para formalizar trabalhadores autônomos que, em geral, prestam serviços de pequeno valor a clientes diversos ao longo do tempo. Não foi para burlar a CLT, e muito menos para quem bate ponto todo dia em uma só grande empresa. Como se não bastasse, as consequências seriam drásticas para a aposentadoria do trabalhador, para sua proteção social e para seu patrimônio, com queda na arrecadação da Previdência, não recolhimento do FGTS, do FAT, do PIS.
Isso sem falar que usinas de açúcar, agropecuárias, finalmente poderão legalizar os chamados “gatos”, ou seja, aquele tipo de gente que faz a contratação da mão de obra no campo, muitas vezes em condições de trabalho tão ultrajantes que são análogas ao trabalho escravo.
O PMDB elegeu sua bancada, seus governadores, e o vice-presidente da República, em grande parte se beneficiando da política bem sucedida de geração de empregos com carteira assinada e aumento salarial nos governos Lula e Dilma. Agora dá uma punhalada nas costas da massa trabalhadora para agradar os poderosos financiadores de campanha, promovendo este projeto de lei que só serve para arrochar salários e deixar o trabalhador em situação mais vulnerável.
Os direitos trabalhistas e a organização dos trabalhadores, duramente conquistados em lutas históricas de mais de um século, não são nenhum privilégio e estão longe do equilíbrio entre capital e trabalho, especialmente levando em conta estarmos em um país tão desigual. Não há nenhum sentido republicano em sacrificar trabalhadores privilegiando o capital patronal. Basta ver a concentração de renda acumulada ao longo da história do Brasil para constatar que o patronato, se tem seus problemas localizados, está muito melhor servido do que os trabalhadores.
O PMDB, ao lado de outros partidos reacionários, escolheu arrebentar a corda do lado mais fraco. O eleitor que negligenciou seu voto para deputado, votando em quem não tem compromisso com os anseios populares e da classe trabalhadora, deve guardar os nomes dos parlamentares que votaram contra seu salário e seu emprego, dizendo sim à aprovação do na PL 4.330/2004, nome por nome, um por um.
E jamais esquecer para, a partir das próximas eleições, nunca mais votar neles de novo.