O texto abaixo foi publicado no site Ideação. A autora, Beatriz Portugal, jornalista freelance, vive na Islândia.
Essa ilha no topo do Atlântico Norte é considerada há cinco anos consecutivos o melhor país do mundo para as mulheres segundo o ranking anual do Fórum Econômico Mundial. No papel isso quer dizer que é o local com a menor disparidade entre homens e mulheres em relação ao acesso a educação e saúde, nível de remuneração e à atuação na vida política do país. Ou seja, as mesmas oportunidades e mesmo direitos entre homens e mulheres.
Residente na Islândia há quase seis meses, procurei ver como isso se traduz na prática. De início pensei que ser mulher aqui é praticamente igual a ser mulher no Brasil e nos outros países em que já vivi – todos países ocidentais – mas ao me aprofundar no questionamento, alguns aspectos saltaram aos olhos, a começar por um tema tido como um dos mais femininos possíveis: a maternidade.
Na Islândia, parte-se da premissa de que mãe e pai têm os mesmo direitos. Ganha-se uma licença de nove meses ao todo, três meses para a mãe, três meses para o pai e outros três que podem ser usados e divididos pela mãe e pelo pai do modo que o casal quiser.
Essa regra além de dar valor igual a mães e pais desde o início traz uma vantagem a mais, a de que as mulheres deixam de ser um fator de risco por causa da maternidade. Caso uma empresa considere o risco de contratar uma mulher, terá de encarar o fato de que o homem apresenta o mesmo risco, ainda mais quando um pai que não usufrui de sua licença paternidade é tido como irresponsável e acaba mal visto pela sociedade.
Afinal, a responsabilidade de criar filhos é dividida igualmente, assim como o trabalho doméstico. Homens cuidam dos filhos, limpam, cozinham, passam roupa e nada disso é motivo para elogios no dia-a-dia – é simplesmente o normal.
Também não há qualquer estigma ou preconceito em relação às mães solteiras ou às que tem filhos de pais diferentes. Talvez por isso, as islandesas escolhem virar mães cedo, em média aos 25 anos. Parte disso também é o sistema de apoio fornecido. Além da licença paternidade, a maior do mundo, o serviço de creches e escolas tem preços acessíveis por ser subsidiado pelo governo.
Com isso, as mulheres sabem que podem se educar e ter uma carreira bem sucedida, mesmo com filhos. E os números confirmam: 88% das mulheres em idade economicamente ativa trabalham, a mais alta taxa de participação feminina no mercado de trabalho do mundo. Ao mesmo tempo, a taxa de fertilidade na Islândia é uma das mais altas da Europa, com uma média de dois filhos por mulher.
O fato de que aqui a maternidade não se opõe ao trabalho ou ao estudo muda toda a estrutura de vida das mulheres. Elas não se sentem obrigadas a encaixar suas vidas no esquema escola-trabalho-casamento-filhos, o que abre inúmeras portas.
O único aspecto que ainda deixa a desejar é faz com que as islandesas digam que o país ainda não atingiu “a verdadeira igualdade” é a disparidade salarial. Em média, os homens ainda ganham 10% a mais do que as mulheres.
Mesmo assim, para quem tem os olhos acostumados a outras realidades, o poder do movimento feminista da Islândia é espantoso. Metade do gabinete é ocupado por mulheres, além de 43% das cadeiras no Parlamento. O país teve a primeira mulher chefe de Estado eleita democraticamente no mundo (ela era também uma mãe solteira), e conta também com o feito de ter tido a primeira mulher primeira-ministra assumidamente gay do mundo.
São portas que se abrem quando o país tenta alcançar a igualdade ao valorizar as diferenças. A Islândia é um lugar onde as mulheres não precisam ser como os homens para conseguirem estar em pé de igualdade. Aqui, elas podem ser mulheres do jeito que desejarem ser.