Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregor Samsa deu por si na cama transformado num pequeno político. Estava deitado sobre o rosto, tão duro que parecia de peroba. Ao levantar um pouco a cabeça, divisou o arredondado ventre que buscava encolher, trajando uma camisa Armani e uma gravata Hermès. Passou as mãos pelos cabelos. Era puro gel. A boca agitava-se, como dotada de vontade própria a falar termos desconexos. “Não somos hipócritas”, “quem estuda costuma ser mais insubordinado” e coisas assim.
Que me aconteceu? – pensou. Não era um sonho. O quarto, um vulgar quarto humano, apenas bastante acanhado, ali estava, como de costume, entre as quatro paredes que lhe eram familiares.
Por cima da mesa, onde estava deitado, desembrulhada e em completa desordem, uma série de amostras de roupas: Samsa era caixeiro-viajante, estava pendurada a fotografia que recentemente recortara de uma revista ilustrada e colocara numa bonita moldura dourada.
À medida que tudo isto lhe passava pela mente a toda a velocidade, sem ser capaz de resolver a deixar a cama – o despertador acabava de indicar quinze para as sete -, ouviram-se pancadas cautelosas na porta que ficava por detrás da cabeceira da cama.
– Gregor – disse uma voz, que era a da mãe -, é um quarto para as sete. Não tem de apanhar o trem?
Aquela voz suave! Gregor teve um choque ao ouvir a sua própria voz responder-lhe, inequivocamente a sua voz, é certo, mas com um horrível e persistente guincho. “Baderneiros””, “Black blocs”! “Chama o Francischini, que ele não tinha a menor ideia de quem seria.
Quando a mãe entrou no quarto, soltou um grito estridente:
– Meu filho sumiu! Aqui em cima da cama está o Beto Richa.
Triste sina a de Gregos Samsa. Teria de viver num corpo que não era o seu. Um corpo que causava as piores impressões a todos.
Deseperado, só uma palavra lhe saía da boca:
– Francischiniiiiiiii! Francischiniiiiiiiiiii!!!!!