O que aprendi com minha mãe

Atualizado em 3 de setembro de 2012 às 20:08

 

 

Mamãe

Mamãe faria anos hoje, 85.

Mamãe nos inspirou pelo exemplo, ainda mais que pelas palavras – doces, sempre doces, e ditas num tom de voz suave. Jamais a vi berrar.

A marca mais forte de mamãe, para mim, era sua capacidade de enxergar as coisas boas nas pessoas. Em geral, procuramos nos outros os defeitos, até para destacarmos para nós mesmos nossas supostas virtudes. Mamãe fazia o oposto.

Isto a levou a ser a pior companhia possível para quem ia atrás dela para fazer fofocas e falar mal dos outros. Era como se minha mãe simplesmente não ouvisse. A conversa não ia adiante, por maior que fosse o esforço do interessado em compartilhar futricas com mamãe.

Em compensação, ela era a melhor companhia possível para quem estivesse em busca de algum calor, algum conforto depois de uma jornada dura. Você, conversando com mamãe, parecia acreditar que as pessoas são por natureza bondosas.

Na doença que matou papai tão cedo, só com os anos me dei conta de que mamãe sustentou não apenas a si próprio naqueles dias tão terríveis – mas a nós cinco, os filhos, devastados pela perda de quem fora o nosso sol e a nossa lua, e todas as estrelas do céu. Papai.

Tenho um retrato de mamãe na tela de meu celular. É uma foto que tirei dela há muitos anos. Mamãe estava sorrindo para mim, como sempre. O sorriso de mamãe me dá, sempre, uma sensação boa.

Ela era louca por poesia. Tinha sempre por perto Bandeira e Fernando Pessoa, seus prediletos.

Por ela, por seu amor aos poetas, me arrisco aqui a uma tradução de um trecho de um poema que tenho lido várias vezes nos últimos tempos. É do inglês Shelley, Percy Shelley, um poeta emprestou sua voz fulgurante e destemida à causa dos oprimidos.

Rise like Lions after slumber

In unvanquishable number.

Shake your chains like dew

Which in sleep had fallen on you –

Ye are many – they are few..

E aqui vou eu. Por mamãe. Para mamãe.

Ergam-se como Leões que acordam na alvorada.

Numa quantidade jamais imaginada.

Chacoalhem seus grilhões como o orvalho da madrugada

Que durante o repouso caiu sobre vocês –

Vocês são tudo – eles nada.