O vídeo que mostra o ginasta Ângelo Assumpção como alvo de piadas racistas de seus colegas de seleção brasileira pode ser infame, mas está longe de ser surpreendente. Agressões disfarçadas de brincadeiras inocentes estão entre as principais características do racismo brasileiro, na maioria das vezes manifestado de forma velada e sutil.
Tenho certeza que Assumpção, nos seus 18 anos de vida, já passou por “brincadeiras” semelhantes à feita pelos colegas Arthur Nory Mariano, Fellipe Arakawa e Henrique Medina Flores.
“Seu celular quebrou: a tela quando funciona é branca… quando ele estraga é de que cor? … O saquinho do supermercado é branco … e o do lixo? É preto!”, disseram os três atletas.
As imagens mostram que Assumpção não gostou da piada e chamou os companheiros de equipe de falsos. Como é de praxe neste tipo de injúria, os fanfarrões pediram desculpas acaloradas. “Ninguém é falso aqui não, nós te amamos”, diz um deles no vídeo, usando o velho artifício de ferir, jogar álcool e depois assoprar.
A repercussão do caso fez com que os atletas postassem um vídeo no Instagram pedindo desculpas a Assumpção. Assim como as ofensas, a retratação seguiu um script conhecido: para eles o caso não passa de um mal-entendido.
“Fala galera, gostaríamos publicamente de pedir sinceras desculpas ao nosso amigo Ângelo Assumpção”, diz Arthur Nory.
“A brincadeira teve uma proporção muito grande, negativa”, continua Henrique Medina Flores.
“Era um momento de brincadeira, e vocês entenderam errado”, acrescenta Fellipe Arakawa, para quem o racismo estava nos olhos dos outros.
“Mas não tem problema, a gente é amigo”, finaliza Assumpção, jogando um pano bem quente em cima da polêmica.
Arthur Nory, que parece ser o mentor do grupo, reforçou essa ideia no post que acompanha o vídeo:
“Fala galera, aqui é uma equipe aqui está tudo bem. Exageramos e passamos dos limites. O dia a dia quem está presente sabe como é. Está repercutindo de uma forma negativa pra ter matérias. Aqui todo mundo gosta de todo mundo e sabe o que passamos. Por favor não entendam mal! Demoro!”.
É a história se repetindo. Fazem piada, ofendem e ao se desculpar jogam a culpa no tal mal-entendido. Foi assim quando Faustão disse que a dançarina da cantora Anitta tinha “cabelo de vassoura de bruxa”.
Quanto à postura diplomática de Assumpção, suponho que foi estratégia de sobrevivência. Antes de serem amigos eles fazem parte de uma equipe prestes a disputar as Olimpíadas no próximo ano. Uma desavença poderia atrapalhar planos mais importantes.
Melhor deixar o troco para as competições, como ele fez na etapa da Copa do Mundo de Ginástica realizada no início do mês em São Paulo, onde ganhou ouro no salto. O garoto é novo e no futuro vai poder dar respostas mais contundentes quando ouvir gracinhas. Porque uma coisa é certa: ele ainda vai ouvir muitas chacotas racistas ao longo da sua caminhada. E os racistas enrustidos dirão que foi só um mal-entendido.