O vereador Fábio Luiz Guedes (PL), do município de Itajaí (SC), foi preso na semana passada preventivamente no âmbito de uma operação do Ministério Público de Santa Catarina chamada “Contracheque”. O nome não poderia ser mais apropriado.
É que Fábio Negão, como é identificado na urna o parlamentar liberal, manteve por três anos, em seu gabinete na Câmara Municipal, na prefeitura e por meio de uma associação “beneficiente” de sua propriedade, um esquema de rachadinha tripla que não apenas onerou os cofres públicos do município, mas que também instaurou o medo e o achaque violento na vida daqueles que escolheram trabalhar com o parlamentar.
O esquema, minuciosamente detalhado e provado pelos promotores catarinenses em relatório investigativo de 136 páginas a que o DCM teve acesso, deixa evidente não só a gravidade do crime cometido, que desvirtua os princípios da Administração Pública, mas também a deterioração social que acompanha a prática, bem como o clima de terror sob o qual viviam seus subordinados.
Na esteira das investigações, uma série de assessores e ex-assessores de Fábio Negão foi ouvida pelas autoridades. Alguns contaram como e por que se submetiam às rachadinhas, outros juraram que não tiveram qualquer envolvimento na organização dos esquemas criminosos que envolvem não só rachadinhas como a contratação de funcionários fantasmas que foram pagos por uma autarquia da prefeitura, outros ainda confessaram que eram parte do time que organizava os pagamentos e cobranças postos em prática pelo vereador desde o início de 2021, assim que assumira o mandato.
Uma característica, porém, se encontra em todos os depoimentos: o pavor que inspira nos depoentes a figura do vereador Fábio Luiz Guedes.
O que segue abaixo são trechos das oitivas de alguns desses funcionários. As partes em negrito foram destacadas pelo DCM, que também retirou o nome das testemunhas.
1 – […] que procurou um colega e ele pediu para que eu tivesse uma proteção; que perguntou se ele podia orientar se poderia ter alguma proteção; que tem medo que aconteça algo com a sua mãe porque é idosa; que ele tem a fama de ser traficante; que ele continua sendo traficante; que as pessoas comentam que ele não é flor que se cheira; que ele tem um passado.
2 – […] que prestou um depoimento em junho; que no dia seguinte que prestou depoimento veio na Promotoria e pediu sigilo do depoimento; que tem muito medo de risco de vida pelo teor do depoimento e a pessoa do Fábio; que ele falava que fulano é respeitado porque manda matar; que pensou que ele podia fazer algo contra o depoente; que a representação é de sua autoria;
que depois pediu para omitir por medo. No final de seu depoimento, quando perguntado pelo Promotor se gostaria de relatar mais alguma irregularidade, disse: “acho que não, só a questão do risco de vida mesmo; da minha família; deixar bem claro; que é uma pessoa perigosa; que a gente tem medo né;
que sua irmã tem uma medida protetiva contra ele; que tem conhecimento da vida pregressa dele né; que na prática ele deixava mensagens que deixava a gente com medo; como quando dizia que tinha cemitério clandestino; que tem receio, infelizmente.
3 – […] XXXXX, inclusive, possui medida protetiva contra Fábio em razão de ameaças por outro fato. Ele costumeiramente ameaça pessoas.
4 – De igual forma, XXX disse: […] que tem medo; que tem medo dele fazer alguma coisa; que ele não é gente pequena; que mora na mesma rua dele; que ele passa na frente da sua casa todo dia; que seu marido fez uma cirurgia do coração; que tem muito medo; que seu marido disse “XXX, cuida, nós não temos segurança nenhuma”; que o YYY (um funcionário que seria uma espécie de capanga de Fábio) ficou atrás da depoente; que YYY ia na sua casa.
Ao pavor que transborda dos depoimentos acima, colhidos pelo Ministério Público, soma-se o medo testemunhado por este repórter, que, enquanto apurava os fatos com suas fontes no município, se deparou com três negativas de entrevista e dois pedidos para que fossem concedidas em off, ou seja, sem que o nome da fonte fosse revelado. O motivo não foi outro que o medo.
“Eu sou o cão”
O que segue abaixo são trechos de conversas de Fábio com seus assessores, obtidos por meio de interceptação telefônica e apreensão de aparelhos celulares, autorizadas pela Justiça. São autoexplicativos
O que segue abaixo é a transcrição de uma mensagem de áudio enviada pelo vereador a um grupo com todos os funcionários de seu gabinete. A fonte é o relatório do MP-SC. Os destaques foram inseridos pela reportagem.
(…) Eu acho que eu falei grego eu acho que a nossa reunião não serviu para merda nenhuma, porque eu chamei todo mundo no gabinete conversei, oh estou sendo grosso mesmo porque eu estou de saco cheio com isso que está acontecendo.
(…) vocês tem que cuidar do cinco mil e quinhentos de vocês o resto tem que passar tudo para Thay (…) com gabinete vocês têm que passar esse valor para Thay, a Thay vai tirar o dela e vai repassar o resto para mim, eu acho que fui claro gente, não quero mais tocar nesse assunto, recebeu de manhã cedo passa no banco saca o dinheiro e dá pra Thay.
(…)tô falando agora, se acontecer mais uma vez isso eu vou começar a exonerar gente desse gabinete, ou minha palavra vale, porque quem manda nessa merda sou eu, eu sou o vereador (…) e eu falei, fui claro com todo mundo
(…) Então agora eu vou dizer para vocês o Fabio vai aparecer e vai sair de dentro do inferno, porque ou a coisa vai andar ou se não eu vou começar a ferrar com todo mundo também (…) ah se já foi combinado tá combinado, merda, porra!
Conforme os documentos exibidos no relatório dos promotores catarinenses, todos os pagamentos faltantes foram realizados na data ordenada pelo vereador.
O esquema de Rachadinha Tripla
Consta no relatório do MP-SC que eram cometidos quatro crimes (três de peculato e um de falsidade ideológica) pelo vereador Fábio Luiz Guedes:
A) Praticado por meio de servidores comissionados da Câmara de Vereadores de Itajaí, em co-autoria com a assessora-chefe Thayana de Souza da Costa, que recolhia e passava ao vereador a rachadinha de todos os funcionários.
B) Por meio de servidores comissionados da Prefeitura de Itajaí, em co-autoria com Thayana de Souza da Costa, através de exigências de parte dos vencimentos dos servidores comissionados postos à disposição do vereador pelo prefeito Volnei Morastoni (MDB). “Há uma outorga de cargos à disposição do Poder Executivo Municipal, por seu mandatário máximo (prefeito), em favor do representado (Fábio Negão), para fins de apoio político”, afirma o MP-SC.
O atual mandatário de Itajaí articula para indicar o vice na chapa de Robison Coelho (PL) nas eleições do ano que vem. O pré-candidato pertence ao mesmo grupo político de Fábio Negão, e atualmente ocupa o cargo de secretário adjunto estadual de Portos, Aeroportos e Ferrovias, indicado pelo governador Jorginho Mello (PL).
Coelho é tido como o favorito na cidade para vencer a eleição do ano que vem. Ele é um dos articuladores do lançamento da carreira eleitoral de Jair Renan Bolsonaro (PL-SC), que se prepara para seu primeiro pleito em 2024, no município de Balneário Camboriú, vizinho a Itajaí.
C e D) Crimes de peculato-desvio e falsidade ideológica referentes a recursos públicos recebidos da autarquia Semasa (Serviço Municipal de Água, Saneamento Básico e Infraestrutura), em co-autoria com o irmão Diego Fernandes e com Kátia Regina Tavares.
A associação do vereador firmava contratos com o município, não executava todas as tarefas, fraudava folhas de pagamentos inserindo funcionários fantasmas que tinham seus ganhos cobrados junto à Semasa e ainda praticava rachadinha com os funcionários de fato existentes.
Todos os delitos descritos acima são exaustivamente provados ao longo das 136 páginas do pedido de prisão preventiva interposto pelo MP-SC e atendido pela Justiça na semana passada.
O que segue abaixo são trechos de diálogos periciados, anotações apreendidas nas casas e escritórios dos suspeitos e depoimentos de testemunhas, apenas algumas das provas que compõem a peça ministerial.