Um relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelou que entre os anos de 2009 e 2013 as polícias brasileiras mataram 11.197 pessoas. O número é equivalente às mortes efetuadas pelas polícias norte-americanas no período de 30 anos, entre 1983 e 2012.
A discrepância entre os números ajuda a entender as diferenças nos tratamentos dos envolvidos nas mortes de Freddie Gray, em Baltimore, e do menino Eduardo de Jesus, atingido por um tiro de fuzil no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.
Enquanto os seis policiais americanos tiveram suas identidades reveladas desde o início do caso e foram indiciados pelo júri, os envolvidos na morte de Jesus, ocorrida duas semanas antes do incidente em Baltimore, ainda estão livres e anônimos.
A impressão é que a vida do menino de 10 anos que sonhava ser bombeiro tem pouco valor. Sua morte não gerou nada além de meia dúzia de hashtags e revolta temporária na sociedade engajada. Das autoridades não surgiu nenhuma promessa de punição dura ao responsável pelo disparo, questionamento sobre o uso de armas de guerra em ambientes urbanos ou a aceitação da ineficácia do atual modelo de combate ao crime.
Como sempre ficaram no discurso lenga-lenga das assessorias de comunicação. “Determinei empenho máximo à polícia nas investigações para que os culpados sejam punidos”, disse o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, ao G1, na época do crime.
Dá para usar a mesma resposta para falar da operação policial no Morro do Dendê, onde morreram Gilson da Silva dos Santos, de 12 anos, e Wanderson Jesus Martins, de 23, moradores sem ligações com atividades criminosas, segundo seus familiares.
Não será surpresa se os processos forem encerrados sem punir os culpados, como no caso da morte do camelô Carlos Augusto Muniz, atingido por um disparo efetuado por um policial militar durante uma operação em São Paulo. Apesar do crime ter sido registrado em vídeo, o Ministério Público Estadual solicitou e obteve o arquivamento do processo na Justiça.
Segundo o El País, o pedido de arquivamento partiu do promotor Rogério Zagallo, conhecido por postar no Facebook que arquivaria inquéritos de policiais que matassem manifestantes nos protestos de 2013.
Se um crime ocorrido à luz do dia, mostrado com detalhes na internet e repercutido na imprensa teve esse destino, o que dizer das mortes em becos escuros nas madrugadas da periferia?
Enquanto os maus policiais daqui tiverem os privilégios que os seis oficiais de Baltimore não têm, o Brasil vai continuar superando com folga os Estados Unidos no número de mortes provocadas por ação policial. As estatísticas podem até alegrar os tais “cidadãos de bem” defensores da pena de morte e da redução da maioridade penal, mas envergonham qualquer pessoa com o mínimo de bom senso.