Alckmin dá cavalo de pau nas redes e ganha seguidores: o que está por trás de “MC Chuchu”

Atualizado em 18 de dezembro de 2023 às 17:59
Ao lado de Márcio França, Alckmin recebe o novo presidente do Santos, Marcelo Teixeira, rebaixado, em Brasília

“Geraldo Alckmin é de direita ou de esquerda?” Essa, por incrível que pareça, é a primeira pergunta associada ao vice-presidente no Google.

Mas o maior desafio desafio para seus marqueteiros hoje vai além de ideologia, e tem a ver com marca, já que deu um cavalo de pau na imagem nas redes. A questão, até pouco tempo, era explicar como o candidato derrotado pelo PSDB na eleição presidencial de 2006, perdendo para Lula, virou seu vice vitorioso pelo PSB em 2022, assumindo o governo de transição e um ministério. A união improvável, fruto de hábil composição política, foi vendida na campanha como um sinal de conciliação nacional, o que rendeu frutos e trouxe eleitores de centro para a campanha petista.

Não foi fácil fazer daquele ex-governador de São Paulo que, em vidas políticas passadas, dizia que Lula queria “voltar à cena do crime” ao tentar retornar ao poder – frase muito explorada pela campanha do seu adversário -, no novo melhor parceiro de Lula. Assim como não dava para apagar aquela metáfora leguminosa de Lula, associando Alckmin a alguém “sem-sal”, o “picolé de chuchu” – apelido que colou no político por toda a sua carreira política.

Na campanha de reconstrução de imagem que se seguiu, Alckmin, conhecido pelo pouco traquejo em comunicação, porém, foi além, especialmente após empossado. Homem que sempre passou uma aparência circunspecta e sisuda, sem graça mesmo, transfigurou-se nos últimos meses, numa calculada estratégia digital adotada, num Alckmin não apenas brincalhão e zen – bem ao estilo de um professor de acupuntura, que de fato é -, redesenhando seu perfil nas redes, hoje principal porta de comunicação com a sociedade, especialmente os jovens.

Alckmin pop, ou chuchu pop, para os íntimos, já é claramente uma estratégia do vice em cada ação na Vice-Presidência, inclusive quando substitui Lula interinamente, uma tática amplificada nas redes sociais, onde seus perfis adotam como marca muito humor, com referências a quadrinhos, super-heróis e vídeos inspirados na cultura pop e digital, alavancando seu Instagram (hoje com 653 mil seguidores), Twitter/X (1,4 milhão de seguidores), e Tik Tok (157 mil seguidores), entre outras redes.

O Laboratório de Pesquisa em Comunicação, Culturas Políticas e Colaboração (coLAB), vinculado à Universidade Federal Fluminense (UFF), diz que recorrer ao humor não é privilegio do vice com fama de entediante, mas é uma estratégia cada vez mais comum entre políticos para se aproximar do eleitorado. Chama a atenção o fato de Alckmin estar usando fora do período eleitoral, como uma estratégia de longo prazo, suavizando o reposicionamento de marca. Alguma coisa ele quer.

“Claramente, Alckmin está pavimentando uma estrada discursiva e visual cuidadosa para se humanizar mais nas redes e se aproximar mais de um eleitorado novo, pensando em voos maiores. O mato, porém, ainda é muito alto. Ele precisa descer de forma mais genuína para a vida real do ‘Brasil Profundo’ se quiser almejar algo maior futuramente”, disse ao DCM Marcos Hiller, sócio da The Hiller & Branding, consultoria especializada em posicionamento de marcas. Hiller, que atua como professor de MBA nas principais escolas de negócios do país, acha que usar memes engraçadinhos, rotina hoje nas redes do vice, não são estratégias ruins, “mas ainda é pouco verdadeiro e não traz ganhos reais”.

O humor e a linguagem mais simples dos memes, conectada à lógica das redes, podem ser traiçoeiros. Hiller lembra que, por incrível que pareça, essa estratégia – seguida por outros políticos- foi acelerada pelo bolsonarismo, que só ganhou porque soube usar as redes e se comunicar por elas. “Não é questão de gostar ou não de Bolsonaro, é entender o que ele faz em termos de construção de marca pessoal. Uma das premissas mais importantes em termos de construção de marca é ter consistência. E isso Bolsonaro tem muito. Ele é consistentemente ignorante, homofóbico, racista, ignorante. Isso tem aceitação de enorme parcela da sociedade brasileira infelizmente. Ele é autêntico, é genuíno, ainda que seja por meio de frases condenáveis. É um ignorante contumaz”, resume.

O vice-presidente possui atualmente três celulares só para esse uso e dedica boa parte de seu tempo livre criando conteúdo, gravando e postando vídeos. A estratégia adotada tem surtido efeito, pelo menos na superfície das redes. No levantamento mais recente feito pela consultoria Quaest sobre popularidade digital dos ministros, Alckmin apareceu em quinto lugar, algo quase inacreditável, atrás de Lula e de gente do calibre de Flávio Dino – agora em novas funções -, Fernando Haddad e Marina Silva. Curioso que o vice-presidente nunca foi um grande usuário das novas tecnologias. Depois da vitoriosa aliança com Lula e com o PT, porém, ele tem feito essa reconstrução social, por sugestão do próprio presidente.

O objetivo é atingir um público mais jovem – faixa do eleitorado em que Alckmin historicamente pouco trafega. Os vídeos são elogiados na frente do vice, mas causam algum ciúme e sofrem gozação dentro do próprio ministério, onde não há unanimidade sobre o novo estilo, que, para alguns, desfigura demais o personagem real. Alguns sugerem que poderia ser criado um perfil paralelo – diferenciando o perfil oficial -, que tem casos de sucesso como o “Lulaverso” e o “Dilma Bolada”, com estética e linguagem dirigidas ao público mais jovem. Quem sabe um “MC Chuchu”, sugeriu um assessor palaciano. Mas não no perfil oficial – que tem como nicho seu lado profissional e não entretenimento ou relacionamento.

Independentemente de outras publicações, o marco talvez tenha sido a publicação do meme do Pikachu no X, antigo Twitter, em agosto, em alusão ao acordo entre Brasil e Japão para a isenção de vistos. A postagem recebeu reconhecimento da Embaixada do Japão no Brasil, e até mesmo marcas e companhias aéreas interagiram nos comentários. Pessoas do ministério disseram , na época, que era fake – mas não era. “Brasil e Japão chegaram a um entendimento para conceder, reciprocamente, isenção de vistos para períodos de até 90 dias”, escreveu Alckmin, seguido da imagem do personagem fictício amarelo.

Até mesmo influenciadores digitais brasileiros, como o baiano Luva de Pedreiro e a cantora carioca Anitta, serviram de inspiração. Ele comemorou numa publicação com foto da artista recebendo o prêmio do VMA (Video Music Awards), em setembro, ganhando milhares de curtidas e comentários. Em outubro, Alckmin citou “Luva de Pedreiro” no Dia da Construção Civil.

Depois apostou um vídeo usando boné de aba reta para homenagear os 50 anos do hip hop, bem ao estilo Eduardo Suplicy – que já fez muitos vídeos cantando e ao lado de ícones do hip-hop e do rap da periferia paulistana – o que lhe rendeu o apelido de “Alckmin da quebrada”. Hoje eu tiro o boné para o Hip Hop!”, disse, tirando, literalmente, o boné, e exibindo a calva. O ex-tucano, que acumula o comando do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, também postou um meme em seu perfil no Instagram para divulgar o programa do governo Lula para a renovação de frotas de caminhões e ônibus. “Não é cilada, Bino!”, anuncia o post, acompanhando por uma foto de Stênio Garcia e Antônio Fagundes resgatando o veterano e datado seriado Carga Pesada. “Veículos mais seguros e eficientes, que preservam empregos, reduzem emissões e protegem nossos motoristas e caminhoneiros”, descreve a mensagem.

Em setembro, ao dar parabéns a karatecas que participaram do 30º Campeonato Brasileiro de Karatê Interestilos, citou uma frase do personagem senhor Miyagi, o sensei de Daniel-san da série de filmes Karate Kid. “A vida pode te derrubar, mas você decide quando é hora de levantar”, declarou Alckmin. E fez o gesto característico, com as mãos. Inesquecível foi uma montagem com Alckmin e cenas de Dragon Ball Z para acordar temas como – acredite – o avanço do arcabouço fiscal e a reforma tributária, No Twitter/X, a publicação foi visualizada, de imediato, por mais de 800 mil usuários. Também em setembro, Alckmin, acredite, apareceu fazendo tirolesa, com roupas sociais, num post que celebrou seus 71 anos. “Me aventurando pela vida!, definiu. “Queria ver ele na praia de roupa social”, brincou um internauta, gozador, entre muitos outros comentários.

Última sacada de Alckmin – talvez insuperável no mundo pop – foi compartilhar um meme para comemorar a inflação de 0,28% neste mês, abaixo da expectativa do mercado. “Voa, cara, voa!”, escreveu Alckmin neste dia 12, em seu perfil no X (ex-Twitter). Ele fez referência à série “Game of Thrones”, grande sucesso do canal de streaming HBO, em que aparece um dragão, um dos personagens da saga, mas também símbolo da inflação no Brasil. Ainda é cedo para avaliar se a tática – e é evidente que é tática – vai trazer resultados à imagem de Alckmin. O fato é que Alckmin, nesse primeiro ano de Lula, já dá um álbum de figurinhas, no mínimo, bem engraçado. A questão é se não fica parecendo fake.