Começa no dia 19 de dezembro em Buenos Aires e pode terminar ou não no dia 20 o primeiro grande confronto entre Javier Milei e os movimentos sociais. Não será bom passear pela cidade nessas datas, na terça e na quarta-feira.
Ao anúncio das organizações populares de que iriam demarcar território e ir às ruas, o governo respondeu com uma ameaça: haverá repressão pesada, com cinco forças policiais federais.
A ministra da Segurança, Patricia Bullrich, foi quem avisou na quinta-feira: o governo vai desbloquear ruas à força, sem negociações.
Quem for detido será encaminhado a um juiz de plantão, pronto para decretar prisões em flagrante. Está tudo combinado.
Serão erguidas barreiras em pontos estratégicos de Buenos Aires, para impedir a entrada de piquetes da região metropolitana. Mas pode? É o que se perguntam agora entre eles.
Patricia foi chamada para o cargo porque Javier Milei sabe o que ela fez, na mesma função, como ministra arbitrária de Mauricio Macri (2015-2019). Mas nunca governo algum havia produzido um pacote prévio com tanta ameaça de violência.
Os piqueteiros, organizados em torno de entidades nem sempre alinhadas aos partidos, responderam que irão em frente. Porque os protestos foram definidos muitos antes da eleição, por vários motivos.
Os dias 19 e 20 marcam os massacres de 2001 das polícias de Fernando de la Rúa, o presidente frouxo e covarde que renunciou no dia 21, no meio do mandato. Foi embora da Casa Rosada de helicóptero, depois de confrontos que resultaram no assassinato de 38 argentinos.
O povo queria comida, emprego, o dinheiro retido nos bancos e a perspectiva de salvação, ao fim de 10 anos de dolarização. Aconteceram bloqueios de ruas, greves e saques de supermercados.
De la Rúa mandou que a polícia reprimisse e, se preciso, que batesse e matasse. Recuar agora do que foi marcado para marcar a matança de dois dias tristemente históricos seria render-se à primeira ameaça da extrema direita.
O povo organizado em entidades de esquerda, como o Bloco Obrero, que reúne vários agrupamentos, irá às ruas. Mas com o mesmo ímpeto existente antes da ameaça de Patricia?
É o que só saberemos nos dias 19 e 20. Por isso, se for estrangeiro, só vá a Buenos Aires nessas datas se for jornalista, cientista político ou curioso irrefreável. Não haverá como passear em paz pela cidade nesses dias.
A resposta à pergunta sobre a dimensão da guerra nas ruas dependerá da postura dos dois lados em relação ao que anunciam que farão.
A capital Buenos Aires é uma cidade autônoma gerida por um chefe de governo, Jorge Macri, primo de Mauricio. A cidade é um enclave, não é parte da província de Buenos Aires e, em muitos casos, tem leis próprias dessa autonomia.
É legal a decisão do governo de impor a repressão com polícias federais? O direitista Jorge Macri mandou seu secretário de Segurança, Diego Kravetz, dizer que não é bem assim. Buenos Aires tem sua própria polícia militar ostensiva e fardada.
Todo o entorno da cidade, na província de Buenos Aires, tem o peronismo como maioria. Os sindicatos ainda têm influência peronista e kirchnerista, porque não foram fragilizados como aconteceu no Brasil com as reformas neoliberais.
O povo da província invadirá a cidade? Na dúvida, não apareça, até porque não há, desde os pacotes do terror de Milei, muitas vantagens adicionais para os brasileiros, apesar da imensa desvalorização do peso diante do dólar oficial esta semana, mas não diante do dólar paralelo e tampouco diante do real.
Não caia na tentação de testemunhar sentado num café o que pode acontecer em Buenos Aires na semana que vem, depois que o governo fascista desafiou não só as esquerdas e não só os trabalhadores, mas todo o ativismo social organizado.
Fique longe de um duelo inédito em que um pilantra fascista combaterá o povo nas ruas antes de completar duas semanas no poder.
Publicado originalmente no Blog do Moisés Mendes