Quanto tempo até que um crime de ódio como o da Carolina do Sul ocorra no Brasil? Por Kiko Nogueira

Atualizado em 20 de junho de 2015 às 22:05
Dylan Roof em foto de seu site The Last Rhodesian
Dylan Roof em foto de seu site The Last Rhodesian

 

Aos poucos, novos detalhes horripilantes do caso do jovem que abriu fogo numa igreja na Carolina do Sul, nos EUA, vão emergindo.

Foi revelado um manifesto racista que Dylann Roof escreveu num site que ele mantinha, The Last Rhodesian, O Último Rodesiano, atualmente fechado pelas autoridades. É um lixo confuso em que Roof expõe suas ideias sobre supremacia caucasiana.

Ele avisou o que faria: “Não tenho escolha. Não estou na posição de, sozinho, entrar num gueto e lutar. Escolhi Charleston [onde aconteceu o massacre] por ser a cidade mais histórica do meu estado, e por já ter tido o maior número de negros contra brancos no país”.

Há uma menção a nós no capítulo sobre os hispânicos — que são “obviamente um grande problema para os americanos”. Mas eles “têm respeito pela beleza Branca”. É fato que hispânicos Brancos (a maiúscula é dele) “formam a elite da maioria desses países”. “Há bom sangue Branco que vale a pena ser salvo no Uruguai, Argentina, Chile e até Brasil”, afirma.

Dylann, um “neo confederado”, é mais um numa fileira de assassinos em massa que todo ano atacam nos EUA. Mais um estúpido que ganhava armas de presente de aniversário.

É fruto também da cultura do ódio que se manifesta virtualmente até o momento em que se transforma em realidade. Por que ninguém soou o alarme? De acordo com amigos e parentes, ele falou de suas intenções algumas vezes. Seu colega de quarto revelou que Roof planejou uma arremetida à Universidade de Charleston.

O acontecido com Dylann é uma excepcionalidade americana e, portando, jamais terá uma réplica no Brasil?

O ambiente de ódio em que estamos metidos permite ver a tragédia rondando a cada esquina. Com total liberalidade, pessoas caluniam, ameaçam e agridem. Se o brasileiro cordial já não existia quando da formulação de Sérgio Buarque, ele foi definitivamente substituído pelo brasileiro desequibrado.

A deputada Maria do Rosário, por exemplo, contou em seu Facebook que foi ameaçada de morte num shopping de Porto Alegre. Segundo Rosário, um sujeito disse que “sua hora de morrer vai chegar”.

“Não respeitou os cabelos brancos de minha mãe de 80 anos, que ouviu isso. Não respeitou a criança que carregava pela sua própria mão, talvez um filho. Não respeita a dignidade e a distância física que se deve manter de cada um, concorde-se ou não com sua opinião política”, relatou. “Me resta denunciar, registrar ocorrência, processar. Não é um tiro. Não me matou, nem vou deixar de dizer o que acredito e fazer o que devo em coerência às ideias que me movem”.

Depois da entrevista com Dilma, Jô Soares foi homenageado com uma pichação na frente de seu prédio em Higienópolis: “Morra”. A coisa se torna um pouco mais assustadora se se levar em consideração que o degenerado que fez isso sabe onde o apresentador mora.

Perdeu-se o decoro. Um ex-ministro é hostilizado e expulso de um hospital, o Einstein, em São Paulo, sem que a instituição se manifeste de maneira resoluta sobre a agressão. Outro é incomodado num restaurante por um imbecil tão à vontade que filma a si próprio sendo um imbecil.

Um boçal vestido com um uniforme paraguaio do Bope assedia um frentista haitiano acusando-o de roubar empregos e de fazer parte de um exército bolivariano do Foro de São Paulo. O fascista que chefia os Revoltados On Line se hospeda no mesmo hotel do congresso do PT com os resultados conhecidos.

Uma menina de 11 anos que saía de uma festa do candomblé é atingida na cabeça por pedras atiradas por homens com bíblias na mão. Nenhuma grande liderança evangélica pede desculpas. Quer dizer, quase nenhuma: Malafaia, o doente mental, grita que os evangélicos não têm nada a ver com isso.

Um agente da Polícia Federal pratica tiro ao alvo com uma fotografia de Dilma. Postou a foto no Facebook, numa boa. Diante da repercussão, foi suspenso: quando dias de gancho.

No meio do clima de violência, Kim Kataguiri, do MBL, tem a rara sensibilidade de posar com um rifle de airsoft (variação do paintball) rogando para que um certo Benê Barbosa “vença” o Estatuto do Desarmamento. Barbosa é o presidente do Movimento Viva Brasil, que defende o porte de armas irrestrito no país. Para o anão moral Kim, esta é uma “iniciativa crucial para a liberdade”.

Depois da chacina em Charleston, Obama declarou que se recusa “a agir como se esse fosse o novo normal”. O Brasil está fazendo o oposto. Bem vindo ao nosso novo normal.

 

Kim Kataguiri quer armas para garantir sua "liberdade"
Kim Kataguiri quer armas para garantir sua “liberdade”