O prefeito de Campina Grande (PB), Bruno Cunha Lima (União Brasil), proibiu a realização de festejos carnavalescos nas ruas da cidade durante o período de 8 a 13 de fevereiro, reservando diversos espaços públicos e suas imediações (áreas centrais e bairros) para o evento ‘Carnaval da Paz’, que reúne encontros religiosos e acontece anualmente. Assim, permitindo apenas a realização dos demais festejos em espaços privados.
De acordo com Marcel Joffily, defensor público que atua em Campina Grande, a proibição é inconstitucional, independente do decreto seguir Termo de Compromisso e Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público da Paraíba, em 11 de janeiro de 2024. “O Estado é laico, não podendo, sob uma pretensa organização de espaços, privilegiar grupos religiosos em prejuízo de outros”, enfatiza Marcel.
O Carnaval da Paz inclui alguns eventos religiosos como Consciência Cristã, Crescer, Miep, E-Alem e A Palavra Revelada. O Consciência Cristã, evento gratuito que acontece no Parque do Povo em CG, confirmou a presença, em sua programação, do pastor americano Douglas Wilson, um teólogo conservador e defensor da escravidão nos EUA. O Consciência Cristã é organizado pela Visão Nacional Cristã, apoiada por igrejas protestantes.
“O Encontro para a Consciência Cristã surge com um único objetivo (não declarado, mas único): fazer frente ao Encontro da Nova Consciência que acontecia em Campina Grande e era o maior evento inter-religioso do Brasil, aberto, amplo, diverso”, declara o Pastor Zé Barbosa Junior, da Comunidade de Jesus, em Campina Grande (CG).
O pastor também frisa que a presença de Douglas Wilson no Consciência Cristã “além de defender a escravidão como algo ‘bom’, também carrega várias acusações de acobertamento de abusos sexuais e pedofilia em seus ministérios. O recrudescimento da extrema direita no mundo (aqui no Brasil com o bolsonarismo apoiado por muitos cristãos) tem um forte elemento religioso de poder sobre corpos, raças e sistemas”.
Ariosvalber Oliveira, do movimento negro de CG salienta que “a escravidão, assim como a tortura, deve ser varrida da história da humanidade. Campina Grande também está nesse cenário internacional e de toda maneira isso só demonstra que a luta contra o racismo tem que ser permanente, porque está presente no plano econômico e nos usos das interpretações da Bíblia, dos livros sagrados”.
O Brasil de Fato PB entrou em contato com a assessoria da prefeitura de Campina Grande, mas até o fechamento da matéria, não tivemos retorno.
Cultura prejudicada
Um dos festejos que será afetado é o Bloco Jacaré do Açude Velho, que ocorre há 10 anos em Campina Grande, na terça-feira de carnaval. “O ano passado fomos convidados para uma reunião no Ministério Público e, junto a todas autoridades, decidimos que o bloco não sairia, ficando acordado que este ano o bloco teria todo o apoio da prefeitura, dos órgãos e da segurança. A partir desse decreto isso não aconteceu”, conta Fredi Gomes Guimarães, um dos fundadores do bloco.
Além dos blocos tradicionais, Campina Grande também tem outras expressões culturais na sua história: escolas de samba, bois de carnaval, ala ursas, papangus – uso de máscaras e fantasia – e maracatus. “A gente vê com bastante preocupação essa situação. CG tem um carnaval que é consolidado na cidade, exatamente pela resistência [dos blocos de carnavais, dos bois de carnaval]”, comenta a vereadora de CG Jô Oliveira (PCdoB).
Nessa segunda-feira (15), o Fórum Pró Campina divulgou uma nota em que atenta para o diálogo, uma vez que a democracia tem que ser plural. A nota afirma que “os Eventos Religiosos são de grande importância para Campina Grande, e merecem apoio porque acolhem muitas pessoas de outros cantos do país e do mundo para um momento de espiritualidade, renovação e encontro. Mas é preciso compreender Campina Grande como uma cidade plural e diversa, não apenas a cidade do Maior São João do Mundo, mas também de uma alegria constante, sobretudo no período de carnaval. Faz tempo que os agentes culturais não são ouvidos, que as manifestações culturais são perseguidas, que a diversidade cultural é boicotada”.
Nesta terça-feira (16), aconteceu uma manifestação dos blocos e entidades de carnaval, na Praça da Bandeira, em Campina Grande. Saiba a lista completa dos lugares que foram destinados exclusivamente para o Carnaval da Paz, ou seja, que estão proibidos outros festejos de carnaval:
I – Açude Velho;
II – Parque da Criança;
III – Parque do Povo;
IV – Bairro do Catolé;
V – Bairro do Centro da Cidade;
VI – Bairro do Santo Antônio;
VII – Bairro do Jardim Tavares;
VIII – Bairro do São José;
IX – Bairro da Palmeira;
X – Bairro da Liberdade;
XI – Bairro do Alto Branco; e
XII – Bairro da Estação Velha.
Originalmente publicado em Brasil de Fato
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