Se há um rótulo que a ativista acusada de se passar por negra Rachel Dolezal não merece é o de covarde. Por mais que a norte-americana possa ter obtido privilégios por meio da farsa, defender a igualdade racial em um país que abriga barbáries como o massacre de nove pessoas negras em uma igreja na Carolina do Sul é tarefa de risco.
Dolezal, inclusive, denunciou anos atrás várias ameaças com teor racista, como cartas e telefonemas anônimos, pichações e um laço de forca pendurando em frente à residência onde morava.
Por mais que as revelações do passado tenham posto em dúvida a veracidade dessas histórias – apareceu até acusação de plágio em uma de suas pinturas -, as situações são plausíveis, ainda mais pelos cargos ocupados por Dolezal. Presidente da “Associação Nacional pelo Avanço das Pessoas de Cor” (NAACP) na cidade de Spokane e professora de estudos africanos na Universidade de Eastern Washington, tinha credenciais para ser uma das vítimas de Dylann Roof, o autor do massacre na Carolina.
Se ela estivesse na igreja de Charleston no dia do ataque, poderia ser uma das vítimas. Mesmo se ostentasse os cabelos naturalmente lisos e loiros e a pele branca dos tempos de infância, seria abatida se o atirador soubesse do seu trabalho de ativista dos direitos dos negros.
Para defensores da supremacia branca como Roof, o branco que é simpático ou defensor da causa negra não merece o melhor dos tratamentos. Um exemplo disso foi o assassinato de Viola Liuzzo, em 1965.
Uma das poucas brancas ativistas pelos direitos civis dos negros, Viola participou no apoio e organização das Marchas de Selma a Montgomery, um dos mais importantes eventos na luta contra a segregação racial nos Estados Unidos.
Depois de terminar os trabalhos na última das três marchas, que havia culminado com um discurso de Martin Luther King, Viola sofreu uma emboscada de membros da Ku Klux Klan e foi morta com dois tiros. Como Dolezal, Viola fazia parte da NAACP.
A história de Viola Liuzzo e de James Reeb, morto por espancamento dias antes de Liuzzo, prova que brancos podem ter participação ativa na luta pelos diretos dos negros. Sem precisar recorrer a maquiagem, bronzeamento artificial e permanente afro.
Os motivos que levaram Rachel Dolezal a se fantasiar de negra ainda são desconhecidos. Provavelmente há algum distúrbio psicológico dos grandes por trás do faz-de-conta étnico.
Ela foi chamada de oportunista e de apropriadora da cultura negra nas redes sociais. Mas diante dos riscos que correu ao defender os direitos dos negros, merece um pouco mais de compaixão.