Seis governadores do nordeste assinaram uma carta pública contra a redução da maioridade penal. Flávio Dino (Maranhão), Paulo Câmara (Pernambuco), Camilo Santana (Ceará), Ricardo Coutinho (Paraíba), Wellington Dias (Piauí), Renan Filho (Alagoas) e Rui Costa (Bahia) acreditam que a mudança da idade mínima para prisões não mudará o quadro geral da criminalidade no país.
“Temos convicção de que isso não irá contribuir para diminuir as taxas de criminalidade. Na verdade, o que ocorrerá é que crianças de 13 ou 14 anos serão convidadas a ingressar no mundo da criminalidade, sobretudo tráfico de drogas, desse modo alimentando-se uma ilimitada espiral de repressão ineficaz”, afirma o documento.
O DCM procurou o governador Flávio Dino para uma entrevista. Confira a conversa.
Como a redução da maioridade penal fere a Convenção Internacional dos Direitos da Criança que o Brasil assinou em 1990?
Nós assistimos a Câmara dos Deputados aprovar parcialmente a proposta de redução da maioridade penal. Esse tema da maior gravidade é da maior importância para a nação porque embute em primeiro lugar o preconceito contra a juventude, em segundo lugar uma visão equivocada sobre segurança pública e em terceiro lugar consagra o chamado direito penal do terror. Porque se pretende que o encarceramento vai salvar a segurança pública. Isso vai contra a convenção internacional e outras leis.
Como assim?
O que se argumenta em defesa da proposta da redução é que, cada vez mais cedo, jovens são recrutados por quadrilhas ou bandos. Isso é verdade, infelizmente. Dessa forma, ficou marcado que o jovem de 16, 17 anos tem sido recrutado por quadrilhas de traficantes e de assassinos profissionais. Por isso a saída seria puni-los.
Quem conhece a dinâmica do crime no mundo e conhece a do Brasil sabe que a consequência imediata se aprovado esse imenso equívoco será que as mesmas organizações criminosas passarão a recrutar jovens de 15, 14, 13 anos. Elas vão se adaptar às mudanças.
A aprovação da redução na Câmara é resultado de um congresso chefiado por Eduardo Cunha? É fruto do conservadorismo político atual?
Há um debate equivocado sobre esse assunto, que não esclarece os verdadeiros pontos de causa e consequência da redução de maioridade penal. Todo esse discurso é fruto de uma composição parlamentar mais conservadora.
Falta uma discussão mais neutra, sem defesa de uma discussão emocional sobre crimes e mais racional sobre a criminalidade e a condição dos presídios?
Acho que esses e outros pontos foram aqueles que nós, governadores do Nordeste, buscamos esclarecer em nossa carta aberta. Ela serve para chamar a atenção da sociedade brasileira. Queremos atentar para a seriedade do tema que precisa passar por melhor reflexão antes de ser tratado como é atualmente.
Leia a carta aberta dos governadores do nordeste contra a redução da maioridade penal.
Os governadores signatários desta Carta, à vista da aprovação em uma Comissão da Câmara dos Deputados da proposta de redução da maioridade penal, vêm convidar os Senhores Parlamentares e a sociedade a uma maior reflexão sobre o tema.
Temos convicção de que a redução da maioridade penal não irá contribuir para diminuir as taxas de criminalidade. Na verdade, o que ocorrerá é que crianças de 13 ou 14 anos serão convidadas a ingressar no mundo da criminalidade, sobretudo tráfico de drogas, desse modo alimentando-se uma ilimitada espiral de repressão ineficaz. Todos que lidamos com os sistemas de segurança pública e penitenciário, sabemos que cada vez há mais encarceramento no país, sem que a violência retroceda, posto que dependente de fatores diversos, sobretudo econômicos, sociais e familiares.
Acreditamos que a proposta vulnera direito fundamental erigido à condição de cláusula pétrea pela Constituição, sujeitando-se à revisão pelo Supremo Tribunal Federal. Além disso, implica descumprimento pelo Brasil de Convenção Internacional alusiva aos Direitos da Criança, a qual nosso país se obrigou a atender por força do Decreto 99.710/90.
Lembramos que o Brasil adota um sistema especializado de julgamentos e medidas para crianças acima de 12 anos, o que está em absoluta sintonia com a maioria e as melhores experiências internacionais. Neste passo, cremos que eventual revisão do Estatuto da Criança e do Adolescente é o caminho mais indicado para que alguns aperfeiçoamentos possam ser efetuados, preservando-se contudo a Constituição e as Convenções Internacionais.
Assim, dirigimo-nos à Nação com esse chamamento ao debate e a um movimento contrário à redução da maioridade penal, passando-se a priorizar medidas que realmente possam enfrentar a criminalidade e a violência.