Mark Twain, um dos primeiros grandes críticos da imprensa, observou o seguinte, mais de um século atrás.
“Existem leis para proteger a liberdade da imprensa. Mas não existe nada decente para proteger as pessoas da imprensa.”
No Brasil destes tempos, esta é, ainda, uma verdade doída e revoltante.
Considere o caso do habeas corpus de Lula.
O senador Caiado, que mente todos os dias em sua louca cavalgada antipetista, colocou no Twitter que já havia um HC na justiça pronto para a decretação da ordem de prisão contra Lula por Moro.
Qual a credibilidade de Caiado? Apenas para lembrar, ele disse ter gravado o apedrejamento da perua em que estava ao lado de Aécio na Venezuela, e o vídeo jamais foi visto.
Num primeiro momento, ele culpou a internet venezuelana. Depois, já no Brasil e com a internet boa de que dispõe, não voltou ao assunto.
Mas a Folha comprou a história de Caiado. E não se deu ao trabalho de checar nada, num trabalho pseudojornalístico nota zero com louvor.
E repercutiu o HC.
Você pode imaginar o tom. Entre outras coisas, a Folha insistia numa tese dela mesma, não amparada em nenhuma fonte citada: Lula estaria dizendo aos amigos que seria o próximo alvo da Lava Jato, depois do presidente da Odebrecht.
É um retrato da imprensa brasileira contemporânea: Lula não fala com ela, mas ela não para de falar em Lula, nunca com fatos, mas sempre com especulações inteiramente desfavoráveis.
Você acredita mesmo que algum amigo de Lula passa para jornalistas da Folha, da Veja, da Globo confidências do ex-presidente?
Ou se trata de inimigos interessados, como Caiado, em forjar um noticiário anti-Lula?
Bem, depois veio o choque de realidade.
O autor do HC é um sujeito que parece fazer disso – habeas corpus – um estranho hábito.
Ele já fez 150, e sempre à revelia das pessoas que supostamente deseja proteger. Uma vez agiu em favor de Diogo Mainardi, então colunista da Veja, um pseudojornalista que ganhou sinistra notoriedade por ter sido precursor numa atividade que garante florescentes carreiras na imprensa: atacar sistematicamente Lula e o PT.
Os brasileiros não sabíamos, e a Folha não investigou o suficiente para informar, que qualquer pessoa pode impetrar um HC em nome de quem queira. (É apenas um sinal do funcionamento obtuso da justiça brasileira.)
E então, conhecidos os fatos, a Folha fez o que sempre faz em situações como a do caso do HC de Lula: deu a correção num espaço ínfimo chamado “Erramos”.
Na Dinamarca, onde a frase de Twain já não vigora há tempos graças aos avanços da sociedade, o jornal é obrigado a publicar a errata no mesmo espaço em que cometeu o erro. E com igual destaque.
Isso leva os jornais a serem bem mais cuidadosos que a Folha na hora de publicar notícias.
Algumas pessoas progressistas haviam saudado um editorial da Folha sobre Eduardo Cunha como um sinal de que o jornal estaria voltando a ser “plural”.
Ri sozinho. Sabia que era o triunfo da esperança sobre a experiência.
A Folha se enquadra numa frase de um outro grande crítico da imprensa, George Orwell.
“A imprensa é controlada por um pequeno grupo de homens ricos aos quais interessa tratar de forma desonesta assuntos delicados.”