O catfish de Mamãe Falei, a perseguição a Padre Julio e o bunker de videos falsos do MBL

Independentemente do resultado da tal guerra dos laudos, se há uma vítima nesta história é padre Julio Lancellotti; e se há dois que merecem ser investigados esses são Mamãe Falei e o vereador paulistano Rubinho Nunes

Atualizado em 23 de janeiro de 2024 às 19:54

 

Mamãe Falei em live tentando se explicar / Imagem: reprodução Youtube

Um artigo do DCM viralizou neste fim de semana e incomodou Arthur Mamãe Falei.

O youtuber fez uma live na segunda, 22, para rebater: entre diversos comentários – de citações relativas a normas gramaticais e ortográficas a elogios rasgados à capacidade de análise de conjuntura do site -, Mamãe Falei tentou se isentar da acusação de ter participado de uma fraude para prejudicar o Padre Júlio Lancellotti por meio de um vídeo no qual supostamente o religioso aparece interagindo de forma sensual com um menor de idade.

Essa é a história que todo mundo conhece desde o início do ano, quando foi noticiada a intenção de instaurar, na Câmara Municipal de São Paulo, uma Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar ONGs na Cracolândia e, particularmente, o coordenador da Pastoral do Povo da Rua da igreja católica.

O outro lado é o que incomodou Mamãe Falei e o obrigou a se explicar: ele foi acusado por dois ex-membros do MBL, movimento político ao qual pertence, de ter usado um assessor da Assembleia Legislativa de São Paulo, onde dava expediente como deputado estadual, para criar um “perfil falso” no Facebook e produzir conteúdos com o objetivo de prejudicar a reputação do religioso.

Isso não é tudo.

Segundo os dois acusadores, o engenheiro Fernando Dainese e o relações-públicas Lucas Studart, ouvidos pela revista Piauí, a trama se desenrolou dentro do escritório de advocacia de Rubinho Nunes, também do MBL, então candidato, atual vereador (PL) e autor do pedido de CPI contra Padre Júlio.

Vereador Rubinho Nunes é acusado de ceder seu escritório de advocacia para a produção do video falso

A conspiração, flagrantemente constrangedora, usou Guto Zacarias, então assessor parlamentar de Mamãe Falei, no papel vulgarmente chamado na web de “catfish” – a palavra é uma gíria usada para designar pessoas com intenções ruins que criam perfis fakes para enganar vítimas usando artifícios emocionais e, não raramente, tirando dinheiro e outras vantagens delas.

O que Arthur Mamãe Falei tenta esconder, seus agora ex-correligionários contam com riqueza de detalhes.

“O escritório do MBL tem quase um departamento para vídeo manipulado parecer limpo”, diz Lucas Studart à Piauí.

“O Guto foi a ferramenta do Renan”, complementa Fernando Dainese, referindo-se a Renan Santos, então coordenador do MBL na cidade de São Paulo e um dos dirigentes da campanha vitoriosa de Rubinho Nunes ao cargo de vereador da capital.

Quando se chega no “catfish”, o caldo entorna de vez.

À mesma Piauí, Guto Zacarias confirma que o perfil do “adolescente de 16 anos” era realmente falso, e ao tentar se isentar de responsabilidades, joga ainda mais lenha na fogueira.

“Quem criou esse perfil foi a Guarda Civil Metropolitana”, diz, sem identificar, entre os membros da corporação, quem teria realizado o serviço sujo.

Em resumo, essa faceta da história é que tanto incomodou o rapaz que surgiu na vida pública sequestrando os movimentos de rua protagonizados pelos líderes do Movimento Passe Livre, nas jornadas de junho de 2013, ganhou o estrelato espalhando desinformação, muitas das quais explorando a visão moralista de parte da população, e saiu pela porta dos fundos, cassado pela Alesp após áudio em que revela turismo sexual em giro pela região da Ucrânia no momento de maior flagelo na guerra contra a Rússia.

Visivelmente perturbado na live, o agora ex-deputado contesta também a decisão do DCM de colocá-lo na posição de protagonista, quando, segundo ele, quem está sob fogo cruzado é Padre Júlio.

Omite de sua plateia o fato mais importante até aqui: acionada em 2020, a polícia chegou a investigar o caso, mas não demorou para descobrir que o perfil de “Matheus Rocha Nunes”, autor anônimo da denúncia segundo Mamãe Falei, era fake.

Pior: as evidências apontam que, por trás do nome falso, havia na página, em uma das 3 fotos, uma salva com o “Gu” – neste caso, qualquer semelhança com Guto Zacarias não é mera coincidência.

Após acionar o Facebook e ser informada de que o perfil do suposto adolescente usava um servidor localizado em Montevidéu, no Uruguai – uma forma de fugir a investigações no Brasil, a polícia achou por bem encerrar as investigações apontando “falta de materialidade” e o caso acabou arquivado pelo Ministério Público em 2021.

Se a polícia viu indícios de fraude a ponto de encerrar as investigações, admitida pelo próprio ex-assessor parlamentar de Mamãe Falei, ‘queimando a largada’ da armação, esse é o fato que interessa ao DCM e seus leitores.

A pergunta, portanto, ainda sem resposta, é: deve permanecer isento de investigação um ex-parlamentar acusado, com evidências claras, de forjar um vídeo para incriminar um religioso dedicado à causa dos pobres?

Nesta terça, 23, veio à tona a informação de que o presidente da Câmara Municipal, vereador Milton Leite (União Brasil), decidiu reenviar o vídeo ao Ministério Público e à Arquidiocese de São Paulo, ao mesmo tempo em que um grupo de notáveis abre debate para que o país indique Julio Lancellotti ao Prêmio Nobel da Paz.

Independentemente do desfecho, o que está mais claro, sob a ótica do site, é o seguinte: se há uma vítima nesta história, ele se chama Julio Lancellotti; se existe alguém a ser investigado, esses são dois: Mamãe Falei, que na condição de mandatário popular foi acusado de bancar um funcionário que teria criado um perfil falso, e Rubinho Nunes, atual interessado na CPI e que teria emprestado seu escritório para a montagem de uma operação farsesca da maior gravidade.

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