O ódio às mulheres é cultural no Brasil a tal ponto que dizer que não quer ter filhos é uma polêmica anunciada.
Em entrevista ao Globo, Paolla Oliveira foi corajosa o suficiente para afirmar que não pretende ser mãe, dividindo a internet entre comentários odiosos a respeito de sua decisão, e outros elogiosos à sua coragem.
“Já senti vergonha do que eu pensava, da opinião que eu tinha ou da minha indecisão”, disse.
É isso que a misoginia faz: nos conduz à vergonha de sermos quem somos e tomarmos nossas decisões.
A atriz contou, também, que recorreu ao congelamento de óvulos, destacando que é um “privilégio” ter poder de escolha e que deseja que outras mulheres também possam fazer o mesmo.
E tá errada?
Numa cultura que demoniza o aborto, num país onde já tentaram proibir até pílula do dia seguinte, no segundo pior país do mundo para se ser uma mulher, essa fala tem um peso que só se revela a quem presta atenção: decisões pessoais e íntimas não precisam, necessariamente, virar manchete, mas essa sem dúvidas precisa, para que o debate sobre os direitos da mulher sobre o próprio corpo seja novamente provocado.
Escolher não ter filhos é, sim, um privilégio, neste país em que mulheres pobres muitas vezes sequer têm acesso a contraceptivos.
A pobreza menstrual não vem sozinha: mulheres de baixa renda não têm acesso a pílulas anticoncepcionais ou DIU, menos ainda ao aborto, e tampouco recebem uma educação sexual digna para que saibam a importância de nos protegermos contra DSTs e gravidez indesejada.
Justamente por isso a questão do controle biológico exercido pelo Estado e a sociedade sobre o corpo da mulher faz-se ainda mais importante: não parir quando não se quer parir deveria ser um direito, mas estamos muito longe disso.
O mesmo Estado que proíbe o aborto e, para além disso, torna o assunto um verdadeiro tabu, é o Estado que se recusa a promover a educação sexual, sobretudo nas famílias mais pobres. O planejamento familiar é apenas uma lenda distante no Brasil, em todos os sentidos, e isso gera não apenas mulheres sendo obrigadas a parirem, mas também famílias pobres e numerosas vivendo em situação social miserável.
Essas mulheres, que não são poucas, estão caladas. Não porque querem, mas porque sequer têm bagagem intelectual para discutirem um assunto que jamais chegou na periferia. Ou, quando têm, não são ouvidas, como o Brasil costuma fazer com os pobres em geral.
O que Paolla fez foi usar seu privilégio para dar voz a outras mulheres – como comumente fazemos e chamamos isso de sororidade.
Se mais mulheres brancas e ricas – e famosas, eu acrescentaria – usassem seus privilégios para apontar a supressão dos direitos básicos de outras mulheres, a discussão sobre o abordo – que, atualmente, beira a inexistência, ou ao menos no discurso oficial – não seria o tabu que é.
Na mesma entrevista, Paolla comentou rapidamente sobre o hate que recebeu na internet quando meia dúzia de babacas decidiram chama-la de feia (????????): “Às vezes dá vontade de chamar de pirarucu, tenho preguiça de gastar energia”.
A gente te entende, Paolla: preguiça de discutir com homem mala, a gente vê por aqui.
Que a coragem da atriz abra portas para que outras Paollas – e Marias, e Reginas, e Teresas, e Nathalís – possam enfim ter o direito ao posicionamento sem ser rechaçadas e condenadas em uma sociedade que odeia mulheres.
Em tempo: deixem as mulheres em paz.
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