Moisés Mendes
Não procurem em nenhuma cadeia da Argentina o ex-araponga Gustavo Héctor Arribas, que chefiou a Agência Federal de Inteligência (AFI). Também não estão presos os cúmplices de Arribas na estrutura montada na AFI para espionar inimigos do governo de Mauricio Macri, de 2015 a 2019.
Arribas foi investigado, denunciado pelo Ministério Público e processado. E continua solto. Era o Alexandre Ramagem da AFI. Fez lá o que Ramagem teria feito aqui na Abin, com algumas diferenças.
Arribas foi escolhido por Macri para monitorar a vida de Cristina Kirchner, de outros líderes peronistas, jornalistas, sindicalistas, religiosos, professores, estudantes, empresários e todos que o governo considerava inimigos. Como aconteceu no Brasil.
Mas Arribas não era um Ramagem, que é servidor público, o delegado federal que se elegeu deputado. Era um escroque do futebol levado para dentro do governo pelo amigo que virou político.
Tinha um cartório em Buenos Aires e se aproximou de Macri, então presidente do Boca Juniors, nos anos 90, por ser negociador de jogadores, inclusive no Brasil.
Macri lhe deu de presente, sem que ele fosse servidor público e sem entender nada de operações de inteligência, a estrutura da AFI. Já em 2016 surgiram as primeiras denúncias de que o escrivão monitorava jornalistas.
Em 2019, logo depois de assumir, o peronista Alberto Fernández, que derrotara Macri, determina uma devassa na AFI. Congresso, Ministério Público e Judiciário formam um mutirão para cercar os arapongas.
São abertos inquéritos na polícia e no MP, a Justiça instaura processos, e até Macri vira réu e é impedido de deixar o país. Descobrem que a estrutura da AFI para espionar inimigos era formada por gente de todo tipo.
Haviam sido arregimentados a mando de Macri militantes do seu partido, o PRO, policiais aposentados, operários desempregados, estudantes e picaretas em geral, porque a AFI não usava apenas quadros de Estado, como a Abin faz no Brasil.
Os espiões de improviso eram escalados para seguir os passos de inimigos, postando-se em campana diante do Congresso, de sindicatos e locais com reuniões e aglomerações. A partir de 2019, as investigações conseguiram chegar a indícios de crimes, seguindo pistas de delações, principalmente da agente Mercedes Funes Silva.
Os argentinos chegaram a achar que, fechado o cerco, com a implicação de assessores diretos de Macri e provas de grampos, monitoramentos e perseguições, logo Gustavo Arribas iria para a cadeia.
Em 4 de dezembro de 2022, três anos depois de abertas as investigações, o jornal La Nación noticiava que Arribas e Macri estavam na Copa do Qatar. Tinham sido flagrados juntos num restaurante do Mall of Qatar, o maior shopping do Oriente Médio, ao lado do estádio Ahmed ben Ali, em Doha.
O ex-chefe da AFI, seu líder e amigos do entorno de Macri, entre os quais advogados do ex-presidente, se divertiam numa confraria de gângsteres na Copa. O rei da arapongagem desfrutava da impunidade ao lado do padrinho.
O La Nación informava que Arribas estava no Qatar por seus vínculos com negócios do futebol. Era apresentado pelo jornal como empresário de três jogadores da seleção brasileira, não citados na reportagem.
Segundo o jornal, Arribas viajava por uma hora, a cada jogo da seleção argentina, desde Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, em um jatinho até o Qatar.
Assim vivia Arribas, que já tentou obter cidadania brasileira. Que foi denunciado por lavagem de dinheiro e participação no esquema dos Panamá Papers. E que se envolveu em negociações fraudulentas de jogadores de futebol (entre as quais a venda de Tevez ao Corinthians em 2005) e pelo recebimento de propina de US$ 600 mil da Odebrecht para ajudar a facilitar obras da empreiteira na Argentina durante o governo Macri.
Arribas anda por toda parte, como se nada o incomodasse. A última informação a seu respeito foi publicada pelo Página 12, em 12 de maio do ano passado.
O jornal informa que o juiz federal Marcelo Martínez de Giorgi ordenou a quebra de sigilo telefônico dele e de diretores da AFI no inquérito sobre a espionagem contra Cristina Kirchner.
Sabe-se, desde o começo das investigações, que um dos grupos de Whats formados para monitorar adversários do governo Macri se autodenominava “Super Mario Bros”. Eram amadores, atrevidos e divertidos.
Em agosto de 2023, o jornal El Destape informou que o processo contra espiões de um braço da AFI que monitorava líderes sindicais, e que chamavam de Gestapo Antissindical, foi arquivado por decisão da Justiça.
Arribas foi inocentado no processo sobre a propina da Odebrecht. Também não deu em nada o processo contra Arribas e Macri pela acusação de espionaram contra os familiares das 44 vítimas do naufrágio do submarino ARA San Juan, em 2017.
Macri era acusado de ter ordenado a AFI a grampear conversas telefônicas de parentes dos marinheiros mortos, para saber das tentativas de responsabilizar o governo pelo acidente. A Justiça sequestrada pelo macrismo achou tudo normal.
Qual é a novidade hoje depois disso tudo? A grande novidade é que Macri, chefe supremo dos arapongas, livrou-se de quase todas as acusações e hoje é aliado de Javier Milei, com prepostos na economia e na segurança do governo fascista.
Na área da inteligência, Milei decidiu que a AFI será tutelada por oficiais da reserva, recrutados por ele para monitorar os quadros civis. E Arribas circula pelo mundo.
Originalmente publicado em Blog do Moisés Mendes
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