Por Mateus Coutinho
A Operação Tempus Veritatis foi a maior ofensiva da Justiça até aqui contra auxiliares e ex-ministros de Jair Bolsonaro, além de militares de alta patente que apoiavam o ex-presidente.
A operação, que expôs um plano para manter Bolsonaro no poder após a derrota nas eleições de 2022, prender o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), além de articulações de militares para apoiar manifestações golpistas em frente aos quarteis, porém, é apenas uma das frentes que a Polícia Federal (PF) tem contra o ex-presidente.
O inquérito policial que deu origem à operação é o que investiga as chamadas milícias digitais, uma ampla investigação aberta pela PF para apurar a atuação não só de grupos que difundiram desinformação e atacaram as instituições durante o governo Bolsonaro, mas também para identificar o uso da estrutura do estado para abastecer essa rede e garantir ganhos políticos ao ex-presidente e seus aliados.
Conduzido por Alexandre de Moraes, a investigação não tem poupado esforços para avançar no núcleo bolsonarista e possui ao menos outras duas linhas de apuração avançadas e que podem gerar mais dor de cabeça para o ex-presidente, sobretudo devido as informações que foram encontradas com o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, que fechou um acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal após ser preso.
Nos aparelhos eletrônicos de Cid e na nuvem de sua conta pessoal de e-mail os investigadores encontraram diálogos comprometedores em aplicativos de mensagens, fotos e o polêmico vídeo da reunião ministerial de 5 de julho de 2022 que, segundo os investigadores, expõem a “dinâmica” da trama golpista arquitetada de dentro do governo Bolsonaro.
A primeira delas é a investigação sobre fraudes no cartão de vacinação de Jair Bolsonaro, seus parentes e de Cid e sua esposa. A partir de inconsistências identificadas pela Controladoria-Geral da União nos dados fornecidos ao Ministério da Saúde, a PF identificou um esquema que fraudou os cartões de vacinas e incluiu registros de vacinação de Covid-19 para o grupo que viajou para os Estados Unidos em 30 de dezembro de 2022, após a derrota de Bolsonaro para Lula nas eleições presidenciais.
Fraudes em São Paulo e no Rio
Como não era permitido entrar no país sem o comprovante, Bolsonaro e Cid teriam se aproveitado do esquema, que cadastrou a falsa vacinação deles pelos sistemas da prefeitura de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Foi no âmbito dessa frente de investigação que a Polícia Federal prendeu, em maio do ano passado, Mauro Cid e outras cincos pessoas, incluindo dois seguranças de Bolsonaro e o secretário de Saúde de Duque de Caxias, além de ter feito buscas em 16 endereços, incluindo endereços de Bolsonaro.
Cid ficou preso até setembro do ano passado, quando deixou a prisão após fechar um acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal, cujo teor segue sob sigilo.
O caso das vacinas está avançado e, em 18 de janeiro deste ano, a Controladoria-Geral da União concluiu que um outro cartão de vacinação, emitido em nome de Bolsonaro em São Paulo e com o registro de vacinação contra covid-19, também é falso. “Portanto, quanto à vacinação que teria ocorrido em São Paulo – único registro que ainda permanece no cartão de vacinação do ex-Chefe do Executivo – a CGU encerrou seus trabalhos no final de 2023. A conclusão foi que se trata de fraude ao sistema estadual de registro de vacinação contra a Covid-19”, afirmou a CGU em nota.
Na nota, a pasta, porém, não identificou o responsável pela fraude em São Paulo.
Joias, FBI e o pai de Cid
Outra frente, que também está avançada na Polícia Federal, é da investigação sobre um suposto esquema de desvio de presentes recebidos por Bolsonaro quando estava na Presidência da República. A investigação foi aberta a partir de uma reportagem do jornal Estadão que, em 3 de março de 2023 revelou que membros do governo Bolsonaro tentaram trazer ilegalmente para o Brasil, em outubro de 2021, um kit entregue pelo governo da Arábia Saudita que continha joias com colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes.
Inicialmente, a avaliação da Receita Federal foi de que o kit de luxo valia cerca de R$ 16,5 milhões. Os peritos da PF, por sua vez avaliaram o conjunto em R$ 5,1 milhões. O pacote estava na posse de um assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque e foi apreendido pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo pelo fato de não ter sido declarado na entrada ao país.
Além disso, os presentes recebidos pelo presidente da República de autoridades de outros países devem ser encaminhados ao acervo público e ficar guardados como bens da União.
A partir destes dados e do material encontrado no aparelho celular de Mauro Cid, a PF identificou que o auxiliar de Bolsonaro, em conjunto com seu pai, o general da reserva Mauro Lourena Cid, outro ajudante de ordens chamado Osmar Crivellati e o advogado da família Bolsonaro Frederick Wassef teriam negociado e vendido nos Estados Unidos joias e outros bens de alto valor, como um Rolex, recebidos por Bolsonaro quando era presidente da República.
Nesta linha de investigação, a Polícia Federal deflagrou uma operação contra os quatro em agosto do ano passado. Dentre as descobertas da PF estão até fotos de presentes dados a Bolsonaro nas quais aparecem o reflexo do pai de Cid. Trocas de mensagens de Whatsapp entre pai e filho, inclusive, indicam que eles levaram os presentes para serem avaliados e vendidos para lojas nos EUA. Além disso, a PF identificou, com apoio do FBI, que após o escândalo das joias ser revelado pelo Estadão, Wassef recomprou nos Estados Unidos um relógio Rolex que Mauro Cid havia vendido.
Os principais personagens do caso das joias, incluindo Wassef e o ex-ministro Bento Albuquerque já foram ouvidos e a Polícia Federal aguarda ainda mais algumas informações financeiras do exterior, segundo revelou nesta sexta-feira, (9), o portal ICL Notícias. Em sua delação premiada firmada com a Polícia Federal, Cid teria admitido, segundo a revista Veja, que o dinheiro da venda do Rolex fora depositado em uma conta de seu pai nos EUA e, posteriormente, sacado e repassado ao próprio Bolsonaro. Além disso, a PF identificou que o grupo também teria vendido um segundo relógio da marca Patek Philippe, que sequer chegou a ser cadastrado no acervo da Presidência da República.
As investigações seguem sob sigilo e a expectativa é de que sejam concluídas neste ano e que a Procuradoria-Geral da República, agora sob o comando de Paulo Gonet, denuncie o ex-presidente e seus auxiliares.
Desde que os casos vieram à tona, Bolsonaro tem negado envolvimento em irregularidades e afirmado que é vítima de uma perseguição. Após a operação mais recente, realizada na quinta-feira, sua defesa divulgou uma nota registrando “indignação e inconformismo” com a investigação e negando que Bolsonaro tenha atuado para acabar com o Estado Democrático no país. A nota também faz referência a outras investigações que atingiram recentemente o ex-presidente.
“A despeito disso, desde março vem sendo alvo de repetidos procedimentos, que insistem em uma narrativa divorciada de quaisquer elementos que amparassem as graves suspeitas que repetidamente lhe vem sendo impingidas”, diz a nota assinada pelos advogados do ex-presidente.
Originalmente publicado em Brasil de Fato
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