Em entrevista à Folha de S. Paulo, a pesquisadora italiana Clara E. Mattei, professora associada do Departamento de Economia da New School for Social Research (Nova York), comentou sobre seu livro “A Ordem do Capital”, em que afirma que o capitalismo é incompatível com a democracia. Segundo a autora, as políticas de austeridade, longe de serem exceções, são o pilar do capitalismo moderno. Ela destacou que as decisões econômicas são, em sua essência, políticas, e que o capitalismo e a democracia têm uma relação tensa, especialmente no que diz respeito à participação das pessoas nas decisões econômicas:
Em seu livro, a sra. afirma que os programas de austeridade devem ser vistos não como exceção, mas como o sustentáculo do capitalismo moderno. Qual o ganho analítico dessa perspectiva?
Minha definição tem a vantagem de ser uma definição política, na qual fica claro quem ganha e quem perde com as políticas de austeridade. Essa definição tenta ir além da ideia de que a austeridade seja apenas a redução do tamanho do Estado.
Falar em “menos Estado” é uma maneira muito ideológica de entender a história do capitalismo e nossa situação econômica atual. O ponto não é ver se o Estado gasta menos, mas onde o Estado gasta. Porque austeridade não significa menos Estado, mas Estado gastando a favor das elites em detrimento da maioria da população. (…)
Que lições podem ser tiradas em relação à extrema direita hoje?
Os governos de extrema direita são muito bons em implementar a austeridade e, por esse motivo, ganham a confiança do mercado e são vistos com bons olhos pelos tecnocratas internacionalmente.
Mas o contexto agora é muito diferente. Quando Mussolini chegou ao poder, ele estava lá explicitamente para esmagar quem estava se mobilizando. Hoje, as pessoas votam em governos de extrema direita porque foram desempoderadas por um século de políticas de austeridade.
O sucesso da austeridade está em nos individualizar, nos tornar muito precários, nos tornar muito inseguros, para que não sintamos que estamos unidos como trabalhadores. A razão pela qual esses governos de extrema direita chegam ao poder é porque, em última instância, representam a expressão da insatisfação com o atual sistema econômico, que as pessoas entendem como um sistema a favor dos ricos e poderosos. (…)
No Brasil, políticas de austeridade não são exclusivas de governos de direita. Por que isso acontece?
Essa é outra lição muito importante que podemos tirar do estudo histórico: infelizmente, a austeridade atravessa as linhas partidárias . É a expressão do falso pluralismo na economia que nossas democracias eleitorais apresentam. Eles nos dão a impressão de que, se votarmos em Lula em vez de Bolsonaro, teremos uma mudança completa nas políticas econômicas, mas é mais complicado fazer isso .
Sob o capitalismo, a prioridade de qualquer governo, de direita ou de esquerda, é garantir os fundamentos para a acumulação de capital, o que significa não perturbar os investidores privados. (…)
Mas como escapar da lógica que comanda a economia em escala global hoje em dia?
A mensagem principal que emerge do livro é que as decisões econômicas são em grande parte decisões políticas, no sentido de que não há nada que seja uma necessidade técnica. São decisões políticas que ocorrem dentro de um sistema que funciona sob especificações específicas.
Você pode ir contra essa pressão, mas terá de arcar com as consequências. Essa mudança não acontece suavemente. Se você quiser realmente subverter o Estado capitalista de dentro, você precisa entender que não será fácil.
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