O bolsonarista, advogado e vice-prefeito de Porto Alegre, Ricardo Gomes (PL), de 43 anos, possui uma carreira como empresário que teve início logo após o político tomar posse como prefeito e que, até agora, conta uma empresa que existe apenas no papel e outra cujos únicos clientes são campanhas eleitorais de seus aliados políticos e funcionários contratados pelo governador Eduardo Leite (PSDB-RS).
Ex-vereador e atual vice-prefeito, Ricardo Gomes é pré-candidato à reeleição pela mesma chapa que o elegeu, encabeçada pelo prefeito Sebastião Melo. Em suas redes sociais, o vice-prefeito não informa suas atividades como empresário. No Twitter, por exemplo, ele conta apenas ser “Vice-Prefeito de Porto Alegre, Advogado, Ex Presidente da @RELIALred (Rede Liberal da América Latina) e do IEE. Apresentador do Magna Carta, na @BrasilParalelo”.
Em julho de 2021, quando já era vice-prefeito, Ricardo Gomes abriu, junto com mais dois sócios, uma empresa chamada MR Cursos Online LTDA, de CNPJ 44.271.017/0001-59, cujo capital social é de R$ 100.000. Trata-se de uma companhia, como o nome diz, que deveria oferecer cursos online, mas que sequer possui um site na internet. Veja abaixo dados da Receita Federal.
De acordo com o cadastro da Receita Federal, a empresa se encontra ATIVA, no seguinte endereço: AVENIDA AYRTON SENNA DA SILVA, 200 SALA 607, GLEBA FAZENDA PALHANO, CEP 86050-460, 7667 – PR.
A reportagem foi até Londrina para conhecer a sede da empresa do vice de Sebastião Melo. Na avenida Ayrton Senna, 200, fica a torre 1 do “Palhano Business Center”. O edifício existe, é imponente, localizado em área nobre de Londrina, perto do Lago Igapó. Existe, aliás, já há alguns anos, tem lojas no térreo e salas nos andares superiores.
Ninguém acessa as salas sem ser previamente cadastrado e autorizado pela portaria. Lá, a reportagem perguntou da MR Cursos, a empresa de Ricardo Gomes, mas nenhum dos funcionários reconheceu a companhia.
Ao informar o endereço, a sala 607, a reportagem ouviu que no local funciona um escritório do “juiz de Direito Marcelo e Camila”, sem saber dar mais detalhes do que o suposto juiz faz ali. A reportagem solicitou que se interfonasse para a sala, na tarde da última sexta-feira (16), mas ninguém atendeu.
“Nunca vi ninguém subindo lá nem encomenda para esta sala”, disse a porteira, que afirmou estar trabalhando no prédio desde o final de 2023 e pediu para não ter o nome identificado.
Aparentemente, o “juiz Marcelo e Camila” ocupa a sala 607 há pouco tempo. Tanto é assim que, no painel informativo sobre as empresas que estão sediadas no Palhano Business Center, Torre 1, sala 607, está registrado que o escritório pertence à Mitra Apoio Administrativo e MFF Invest. Veja as fotos abaixo.
“A empresa sai, mas o nome dela às vezes fica ali no painel um tempo”, justificou a porteira, que não sabia que falava com um jornalista.
Sobre a Mitra, aliás, a porteira reconhece que ela funcionou ali. Só não soube informar para onde ela mudou. Já sobre a MR Cursos, ninguém na portaria do prédio soube dizer.
Curiosamente, de acordo com os dados atualizados da Receita Federal, no exato mesmo endereço da sede da empresa de R$ 100.000 de que Gomes é sócio (AVENIDA AYRTON SENNA DA SILVA, 200 ANDAR 6 SALA 607), funciona também a empresa MITRA APOIO ADMINISTRATIVO LTDA, como se pode ver em cadastro da Receita Federal.
Curiosamente, também, os endereços eletrônicos cadastrados para contato das duas empresas na Receita Federal são extremamente semelhantes. Na empresa de Gomes, o e-mail é: PROCESSOS@MATURANACONTABIL.COM.BR. Já na empresa que divide a sede com a companhia do vice-prefeito, o endereço é: FISCAL@MATURANACONTABIL.COM.BR.
Trata-se de uma empresa de contabilidade que, de fato, existe, já que o DCM também visitou sua sede na última sexta. A Maturama Contábil funcionou no Palhano Business, naquela sala 607, todos reconhecem. Atualmente, porém, funciona em um outro prédio, o Twin Tower, na Avenida Tiradentes, 501, conhecido endereço comercial de Londrina.
A reportagem passou pela portaria sem ser anunciada à empresa. Bateu na porta do escritório, onde foi atendida por uma funcionária. Perguntou sobre a Mitra e a MR. Prontamente, a funcionária transpareceu que conhecia a Mitra, e estranhou o nome MR Cursos.
Minutos depois, uma outra funcionária foi à recepção falar com o DCM. Disse que as duas empresas, segundo as informações que a Maturama possui, ainda funcionam na Ayrton Senna 200. Ao ser informada que a reportagem estivera ainda naquele dia na suposta sede, e nada encontrara com relação às empresas, a funcionária manteve a “informação”. Ratificou também que ambas as empresas mantêm contato com o escritório, que trata com os sócios por telefone, mas que não poderia fornecer os números. “A gente só fala com eles assim. Então não faz diferença onde elas estão funcionando”, afirmou.
Tais fatos coincidentes, (i) a ausência de um site ou qualquer evidência de real atividade econômica, (ii) a ausência de uma sede física identificável ou qualquer patrimônio correspondente ao valor anunciado à Receita (R$ 100.000) e (iii) o compartilhamento da sede com outra empresa que possui o mesmo endereço eletrônico cadastrado (de um escritório de contabilidade) junto à Receita, indicam tratar-se de uma empresa fantasma ou de fachada, de acordo com o ex-juiz federal e atual senador Sergio Moro (União-PR), conforme ele mesmo definiu em seu livro “Contra O Sistema de Corrupção”.
Vice de Melo associou-se a presidente do Instituto Milenium para faturar com eleição
A MR Cursos não é a única empresa aberta pelo advogado e vice-prefeito desde que assumiu o carpo na capital gaúcha. Em 14 de julho de 2022, Gomes se associou a Daniel Francisco Vancine, ex-conselheiro da estatal porto alegrense Procempa, e a Sebastião Ventura Pereira Da Paixão Junior, que é ex-assessor comissionado do prefeito Sebastião Melo e presidente do Conselho do Instituto Milenium, para abrir a empresa Velos Consultoria Em Analise De Dados Ltda. O capital social da companhia é de R$ 25.000.
Novamente, trata-se de uma empresa que não possui sequer um site na internet ou um nome fantasia.
A empresa, aberta em julho de 2022 com capital de R$ 25.000, recebeu R$ 20.000 três meses depois por fornecimento de serviço eleitoral para a então candidata a deputada estadual Bianca Feijó (União), ou seja, 80% de seu capital social.
A empresa mal acabara de ser aberta e já fornecia em supostos serviços o referido montante para a candidata que acabou por perder a eleição, mas manteve o cargo de confiança que possuía no Governo do Rio Grande do Sul e que ocupou por três anos e três meses, de Diretora de Políticas para Mulheres do Estado.
A então recém-aberta empresa do vice-prefeito, que sequer possuía quadro de funcionários, ainda faturou mais R$ 22.000 junto à campanha a deputada estadual de Fernanda da Cunha Barth, que é atualmente vereadora de Porto Alegre pelo PL.
Mais R$ 5.000 foram faturados na campanha a deputada estadual de Paula Cassol Lima (PL). Neste caso, o serviço fornecido segundo declaração da candidata foi “Pesquisas ou testes eleitorais”.
Paula Cassol não foi eleita, assim como nenhuma das candidaturas para que forneceu a empresa do vice de Sebastião Melo foi eleita. Ainda assim, ela arrecadou e gastou com fornecedores R$ 337 mil em sua campanha. A cliente de Ricardo Gomes segue como ativista bolsonarista nas redes sociais, em páginas com menos de 10 mil seguidores.
Finalmente, a recém-aberta empresa de Ricardo Gomes ainda faturou mais R$ 5.000 com a campanha de Giuseppe Riesgo (NOVO), ex-deputado estadual, que também não foi eleito.
Giuseppe Riesgo, após perder a eleição de 2022, tornou-se chefe de gabinete do deputado federal Marcel van Hattem (NOVO). Em outubro do ano passado, anunciou sua saída do cargo e sua pré-candidatura a prefeito de Santa Maria (RS).
Em resumo, a empresa do vice-prefeito e seus associados foi fundada em junho de 2022, sem funcionários, e no mesmo ano já faturou R$ 52.000, ou quase o dobro de seu capital social, supostamente fornecendo serviços a quatro candidaturas derrotadas de políticos aliados, que foram parar em gabinetes de deputados ou no serviço público do Rio Grande do Sul.