A “gari gata” ficaria famosa se fosse negra? Por Marcos Sacramento

Atualizado em 19 de julho de 2015 às 8:42
Rita Mattos
Rita Mattos

 

A carioca Rita Mattos atua como gari há pouco mais de ano. Dos problemas inerentes à profissão, o único do qual ela não pode reclamar é a invisibilidade. Aos 24 anos, a moça se tornou aspirante a celebridade das redes sociais.

O motivo da fama repentina foi o seu biotipo. Branca, cabelos lisos e corpo de assistente de palco, seu físico destoa do tipo predominante entre a maioria dos trabalhadores da limpeza. Com mais de 18 mil seguidores no Facebook e 8 mil no Instagram, foi assunto de matéria no Extra e já tem até assessor de imprensa. Não vai demorar muito para ela aparecer no Esquenta.

A fama repentina seria a mesma se ela fosse uma negra de cabelos naturalmente crespos? Não dá para saber ao certo, só especular.

Um fato recente dá uma pista de que a resposta seria “não”: de 60 candidatas selecionadas para disputar o concurso Bailarina do Faustão, apenas seis são negras. O percentual de 10% é cinco vezes menor que de negros que habitam o país.

Notícias de pessoas descobertas em situações de invisibilidade como a que atinge garis e trabalhadores de limpeza também indicam que ela não teria a mesma sorte se tivesse a pele negra.

No mês passado, um jovem chamado Mike, de 22 anos, chamou a atenção de uma mulher que passou pelo semáforo onde ele pedia dinheiro, em Santo André (SP). A motorista estacionou o carro para ajudá-lo e mobilizou uma campanha no Facebook para que ele encontrasse a família. A história ganhou a imprensa e foi parar em programas de TV.

O drama de Mike é parecido com o de milhares de pessoas em situação de rua, com um diferencial. Mike é branco. Assim como as jovens Loemy Marques e Jéssica Pinto da Luz. A primeira é uma ex-modelo encontrada na região da Cracolândia, em São Paulo. A segunda vagava pelas ruas de Niterói e recebeu o apelido de “Mendigata”. Ambas ganharam de uma emissora de TV tratamento para se livrar da dependência química.

história mais notória é Rafael Nunes, o “mendigo gato” de Curitiba. Ele tornou-se conhecido de depois que sua foto viralizou no Facebook. A fama fez com que conseguisse ajuda para largar as drogas e reconstruir a vida.

Histórias como esses seriam esplêndidas se não beneficiassem apenas uma minoria branca e considerada bonita. Outros milhares de moradores de rua negros e com menos dentes na boca não tiveram e dificilmente terão a mesma sorte.

Muitos são mortos ou espancados sem que suas dores virem hashtags ou matérias emotivas em programas de TV dominicais. Outros caem no sistema prisional por motivos banais, como o catador de material reciclável Rafael Braga Vieira, preso durante as maniestações de 2013 por carregar uma garrafa de desinfetante.

São casos que mostram como a invibilidade é seletiva. Ter a pele branca, os olhos claros e os cabelos lisos podem funcionar como salvo conduto para livrar as pessoas do fundo do poço. Por outro lado, a pele negra condena ao ostracismo das ruas, embora seja bastante visível para as forças policiais.

A história de Rita Mattos é diferente das citadas acima, pois ela foi descoberta nas redes sociais, onde há tempos exibe o corpo malhado, não nas ruas, com o uniforme laranja da Comlurb. O alvoroço todo, inclusive, é devido ao trabalho de gari. Não fosse por isso, ela seria apenas mais uma beldade anônima a sensualizar e fazer duck faces na internet. 

Mesmo assim serve para refletir como determinados padrões estéticos funcionam como holofotes em segmentos sociais notórios pela invisibilidade.