Por Leonardo Sakamoto
Não, gente. A rejeição ao governo Lula não é “única e exclusivamente por deficiência em comunicação”, como disse um especialista em comunicação que até 2017 disseminava ódio e mentiras em escala industrial contra Lula, Dilma e o PT.
Quem dera se a dinâmica política se explicasse apenas pela disputa na comunicação. Quem fala isso, aliás, tem seríssimas limitações para compreender a realidade.
Segue um pequeno trecho de “Os engenheiros do caos”, de Giuliano da Empoli, que desmonta essa falácia:
“Qualquer um pode crer na verdade, enquanto acreditar no absurdo é uma real demonstração de lealdade – e que possui um uniforme, e um exército”.
“o jogo não consiste mais em unir as pessoas em torno de um denominador comum, mas, ao contrário, em inflamar as paixões do maior número possível de grupelhos para, em seguida, adicioná-los, mesmo à revelia. Para conquistar uma maioria, eles não vão convergir para o centro, e sim unir-se aos extremos”. (Os engenheiros do caos)
Nós vivemos no país cujas classes dominantes criaram uma a Lava Jato em plena “era da informação” e até hoje, com toneladas de evidências e provas da natureza mafiosa dessa operação, acreditam na honestidade do juiz corrupto e do procurador fanático. Como bem sintetizou Jessé Souza:
“O conluio entre Rede Globo, à frente da mídia venal, e a Operação Lava Jato conseguiu solapar as bases normativas da vida democrática, banalizando vazamentos ilegais e agredindo criminosamente a presunção de inocência. Quando se ataca o núcleo normativo da democracia e do direito, o que resta é a violência aberta. O êxito deste ataque pode ser medido na atual preferência de muitos, na massa da classe média e nas classes populares, pelo candidato fascista e antidemocrático”. (A classe média no espelho)
Nós vivemos num país onde MILHÕES de pessoas desprezam qualquer política pública que tenha por objetivo melhorar as condições de vida dos mais pobres (“bolsa família é esmola e fábrica de desocupados”). O sociólogo argentino Rafael Ton explicou isso a partir da célebre personagem Dona Florinda, do seriado Chaves. É a Síndrome da Dona Florinda (bem mais consistente do que o bordão simplista “pobre de direita”) , fenômeno particularmente comum na América Latina.
Lula será o grande eleitor de Guilherme Boulos nas eleições municipais em São Paulo se tiver sucesso em mostrar que a vida melhorou, principalmente o poder de compra dos trabalhadores, desde que ele substituiu Jair Bolsonaro.
É o que indica pesquisa Datafolha, divulgada nesta segunda (11), em que o deputado federal do PSOL e o prefeito Ricardo Nunes (MDB) estão tecnicamente empatados em três cenários analisados – no principal, Boulos tem 30% e Nunes, 29%.
Na sequência, aparecem Tabata Amaral (PSB), com 8%, Marina Helena (Novo), com 7%, Kim Kataguiri (União Brasil), com 4% e Altino (PSTU), com 2%. Outros 14% não querem votar em nenhum desses e 6% não sabem. A margem de erro é de três pontos.
Antes de falar da economia, dois pontos importantes. Primeiro: a pré-candidata do partido Novo aparecer à frente de um nome conhecido, como Kataguiri, indica que seu nome pode estar sendo confundido com o da ministra Marina Silva, à esquerda de Marina Helena no espectro político. Ou seja, essa intenção de voto deve ir para outros candidatos.
O mesmo fenômeno aconteceu no Rio de Janeiro, na disputa pelo governo estadual em 2022, quando [Eduardo] Serra (PCB) foi confundido com o ex-governador paulista José Serra, aparecendo em uma pesquisa Datafolha com 5%. E Cyro [Garcia] (PSTU), provavelmente tomado pelo ex-governador cearense Ciro Gomes, chegou a 4%. Nas urnas, a confusão foi desfeita.
Segundo: na pesquisa espontânea, aquela em que os entrevistados informam o nome do pré-candidato sem estar diante de opções, mostrando um voto mais consolidado, Boulos marcou 14%, e Nunes, 8%. Dá para colocar um ponto a mais no psolista porque 1% do eleitorado respondeu “candidato do PT ou de Lula” e dois pontos a mais no emedebista, pois outra parte deu 2% ao “atual prefeito”.
Boulos precisa conquistar votos da classe trabalhadora
Dito isso, Boulos tem um desempenho pior que Nunes entre quem recebe até dois salários mínimos (24% a 30%, respectivamente) e entre os que têm apenas o ensino fundamental (22% a 35%), ou seja, os mais pobres. Mas também entre os eleitores evangélicos (19% a 37%), lembrando que há uma grande intersecção entre os dois grupos.
O coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) vai precisar tanto do presidente da República quanto de sua pré-candidata a vice, a ex-prefeita Marta Suplicy, que conta com voto nas franjas do município, para ajudar a angariar simpatia junto aos mais pobres.
A questão é que para ser o cabo eleitoral que prometeu ao dizer que a disputa municipal seria entre ele e a “figura”, ou seja, Bolsonaro, Lula terá outra batalha pela frente: melhorar a comunicação sobre os avanços na economia em seu governo.
Sim, o aumento na percepção da qualidade de vida dos trabalhadores (definida, grosso modo, por taxa de desemprego, queda na inflação dos alimentos e nas taxas de juros, aumento da renda média e tamanho dos benefícios sociais, ou seja, pelo aumento no poder de compra) definirá quem comandará São Paulo pelos próximos quatro anos.
A avaliação positiva do governo Lula passou de 40%, em fevereiro de 2023, para 35%, em fevereiro de 2024, enquanto a negativa foi de 20% para 34% no mesmo período, segundo pesquisa Genial/Quaest, divulgada no dia 6. Dois elementos estava por trás disso, um crescimento na insatisfação entre os evangélicos e a percepção geral sobre a economia.
O descontentamento de evangélicos com as declarações de Lula sobre Israel por conta do conflito em Gaza são conjunturais e devem perder força. E vale considerar que se a percepção sobre a economia estivesse melhor entre os evangélicos, principalmente os da classe baixa e média baixa, eles próprios estariam menos críticos ao governo.
Lula vai ter que mostrar a paulistanos que vida melhorou
O IPCA, a inflação ao consumidor, freou, registrando 4,62% no ano passado – ficando abaixo do teto da meta pela primeira vez em dois anos. Mas, tirando a Faria Lima, ninguém come teto de meta. No geral, os preços se mantiveram em patamares elevados após as altas dos últimos anos. Isso sem contar os aumentos conjunturais nos alimentos devido ao El Niño bombado pelas mudanças climáticas.
A carne continua caindo, mas a batata, cenoura e o feijão, por exemplo, pesaram no bolso do consumidor. E o preço de alimentos afeta mais a classe trabalhadora, que tem nele um dos principais itens de seu orçamento: se a inflação geral de janeiro ficou em 0,42%, a alta do custo de comer em casa subiu 1,81%, segundo o IPCA. E as projeções apontam para alta geral de cerca de 0,7% em fevereiro.
Enquanto isso, a taxa de desemprego no Brasil foi de 7,6% no trimestre encerrado em janeiro, segundo o IBGE. No mesmo trimestre de 2023, a taxa era de 8,4%, e no mesmo período em 2022, 11,2%. Estamos na menor taxa para o período desde janeiro de 2015. E a renda média avançou 3,8% no primeiro ano de Lula.
Em suma, a economia está melhor e com perspectivas melhores, mas não ocorreu um salto significativo, como no segundo governo Lula. Ou seja, não se traduziu, necessariamente, em percepção de melhora pelos trabalhadores. O que faz com isso se torne terreno em disputa de narrativas.
Para ajudar o seu pré-candidato em São Paulo, o petista terá que convencer que a vida sob sua gestão melhorou em comparação aos quatro anos de seu antecessor, aliado de Nunes, reforçando a si mesmo como cabo eleitoral e transferindo voto.
Mais do que isso: terá que resgatar a lembrança do “Bolsocaro”, alcunha dada a Jair por conta de uma inflação de 5,79%, em 2022, e de 10,06%, em 2021, além de 33 milhões de famintos.
Prefeitura com caixa abarrotado e sob denúncias
E a disputa não será fácil. Por conta de um acordo entre o governo federal e o município de São Paulo, o caixa da Prefeitura está transbordando, tendo juntado mais de R$ 30 bilhões que o atual prefeito está gastando em sua reeleição. São Paulo teve a dívida quitada com a União em troca da cessão do Campo de Marte, uma negociação que começou com o falecido Bruno Covas.
É tanto dinheiro que São Paulo passou por um processo de recapeamento simultâneo às vésperas do ano eleitoral e o prefeito implementou uma pauta da esquerda: o passe livre nos ônibus aos domingos e alguns feriados. Sim, a mesma reivindicação que deu início às manifestações de junho de 2013 na capital paulista – e que, consequentemente, ajudou a mudar a história recente da política do país. E também segurou o aumento na tarifa de ônibus — outro aprendizado com 2013.
Com isso, a avaliação de Nunes melhorou. Segundo o Datafolha, a gestão é aprovada por 29% e reprovada por 24%. Em agosto de 2023, eram 23% os que aprovavam o prefeito – a parcela dos que o reprovavam não mudou.
A questão é que gerenciar um orçamento desse tamanho demanda dedicação redobrada para obedecer aos princípios da administração pública. O que parece não ter ocorrido.
Nesse sentido, seria interessante que o Datafolha medisse o grau de conhecimento do eleitorado sobre as suspeitas de corrupção em obras emergenciais sem licitação ocorridas sob a gestão Nunes. Investigações do UOL e da Folha de S.Paulo apontam para contratos envolvendo bilhões de reais.
Originalmente publicado na coluna de Leonardo Sakamoto, no Uol
Siga nossa nova conta no X, clique neste link
Participe de nosso grupo no WhatsApp, clicando neste link
Entre em nosso canal no Telegram, clique neste link