Por que a inteligência dos militares de Braga Netto venceu a inteligência de um PF? Por Moisés Mendes

Atualizado em 25 de março de 2024 às 6:56
Braga Netto. (Foto: Reprodução)

Mais uma história escabrosa sobre o general Braga Netto, que foi tão citado neste domingo quanto os mandantes do assassinato de Marielle Franco.

A coluna de Lauro Jardim, no Globo, informou que o então subsecretário de Inteligência da Secretaria de Segurança do Rio, delegado federal Fábio Galvão, alertou em 2018 o então interventor Braga Netto de que o delegado Rivaldo Barbosa era ligado às milícias.

Mesmo assim, Barbosa, que havia, sabe-se agora, planejado o assassinato de Marielle, foi escolhido para a chefia de Polícia pelo general que mandava na segurança pública do Estado.

Enquanto Barbosa comandava a investigação do crime que ele havia planejado, sem ser incomodado pelos interventores do Rio, Galvão era demitido.

Deve ter sido mais uma coincidência na vida do general mais poderoso do bolsonarismo, acusado de envolvimento nos crimes da pandemia, em corrupção durante a intervenção no Rio e no golpe tabajara de Bolsonaro.

Os jornais informam que Galvão era um profissional de ponta, com atuação reconhecida contra o crime organizado no Rio.

Dos criminosos que foram condenados em inquéritos coordenados pelo delegado na época, 375 deles eram do setor da segurança pública, por envolvimento em casos de corrupção.

Galvão conhecia os bandidos da área em que atuava. Hoje, o delegado é coordenado de Apoio Operacional da diretoria executiva da PF.

QUEM INDICOU BARBOSA

Agora, na sequência de coisas esdrúxulas que aconteciam na segurança do Rio sob o comando de Braga Netto, leiam essa.

Vinicius Valfré informou no Estadão que o nome do delegado Rivaldo Barbosa para a chefia da Polícia Civil do Rio foi indicado pelo setor de inteligência do Comando Militar do Leste (CML).

Rivaldo Barbosa. (Foto: Reprodução)

Até o decreto de intervenção na segurança do Rio, o chefe do Comando do Leste era, desde 2016, o general Walter Braga Netto.

Do CML, ele foi nomeado interventor pelo então presidente Michel Temer. A informação sobre a indicação do delegado está no depoimento do general Richard Nunes prestado à Polícia Federal do Rio de Janeiro em outubro de 2023.

Leiam o que escreve Vinicius Valfré:

Em 2018, Nunes foi designado secretário estadual de Segurança Pública durante a intervenção federal na segurança do Estado e foi quem efetivamente deu o cargo ao delegado.

Os advogados de Braga Netto afirmam que ele não tinha qualquer ingerência na definição da Polícia Civil e que o general não pediu nem buscou sugestões junto à inteligência do CML sobre possíveis indicados.

No depoimento, Nunes contou que a primeira missão à frente da pasta era exatamente escolher os novos chefes das duas polícias. Para auxiliá-lo na tarefa, recebeu nomes indicados pela inteligência do Exército. O nome de Rivaldo Barbosa estava entre eles.

“Para ambos os cargos recebi uma lista de cinco nomes oriunda da inteligência do Comando Militar do Leste. Tal lista não era vinculante e se tratava somente de uma sugestão de nomes que não tinham fatos que os desabonassem”, disse.

E segue a reportagem do Estadão:

O general secretário disse não ter encontrado dificuldades para escolher o chefe da Polícia Militar. Para dirigir a Civil, porém, ele optou, primeiro, por um nome de fora da lista da inteligência do Comando Militar do Leste.

“Ia fazer a escolha apesar do nome do delegado Delmir não constar na lista encaminhada pela inteligência do CML, mas ele não aceitou o convite. Assim, escolheu o nome de Rivaldo Barbosa para tal cargo, nome esse que constava em tal lista”, afirmou aos investigadores.

Em seguida, a inteligência da secretaria chefiada por Richard Nunes contraindicou Rivaldo Barbosa. O general avaliou que as ressalvas não se “pautavam em dados objetivos” e bancou a nomeação do delegado para comandar a Polícia Civil.

Na conclusão da apuração, a polícia apontou a “passiva gestão dos militares à frente da Segurança Pública do Rio de Janeiro”, a “falta de traquejo para manejar as vicissitudes do jogo de poder fluminense” e a “manutenção de Rivaldo mesmo após a contraindicação” como fatores que indicam a gerência de Richard Nunes na nomeação do delegado.

Barbosa assumiu o cargo na véspera do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. No dia seguinte, ele recebeu familiares e amigos das vítimas, manifestou solidariedade e disse que resolver o caso era “questão de honra”. Neste domingo, a Polícia Federal revelou que ele planejou o crime e agiu para atrapalhar as investigações e blindar os mandantes.

De acordo com o relatório final da polícia, o crime foi encomendado pelo deputado Chiquinho Brazão (União-RJ) e pelo conselheiro Domingos Brazão, do Tribunal de Contas do Rio.

Os investigadores colheram depoimento de Richard Nunes no fim do ano passado em busca de informações sobre a ascensão de Rivaldo Barbosa e do também delegado Giniton Lages na polícia, também suspeito de ter atuado para embaçar as investigações.

OS INTELIGENTES

Agora, encerrada a reportagem do Estadão, o texto corre por minha conta de novo. O resumo, que nem precisa ser feito, é o seguinte. Os militares da inteligência do Comando do Leste, que havia sido chefiado por Braga Netto, indicaram Barbosa.

A inteligência de dentro da Secretaria alertou o secretário, que deve ter alertado Braga Netto – porque essa era uma função estratégica na Segurança -, que o nome indicado para a chefia da Polícia era ligado aos milicianos.

E aconteceu o que é contado no início desse texto. O delegado federal da inteligência da Secretaria, que fez o alerta, foi demitido logo depois.

E a inteligência dos militares de Braga Netto bancou e manteve o homem agora preso como planejador do assassinato de Marielle.

Como se vê, foi só uma escolha de inteligências, com vitória dos homens inteligentes do general interventor. Eles escolheram o cara que era o bandido. Podem dizer que não sabiam de nada? O delegado da PF sabia e sabe que eles sabiam.

Originalmente publicado em Blog do Moisés Mendes

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