A questão mais perturbadora do voto do corregedor Luis Felipe Salomão, sobre o caso da fundação bilionária de Deltan Dallagnol, não está nas conclusões da argumentação técnica ou jurídica.
Até porque essa é a área da controvérsia, da natureza de casos como esse, e cada um enquadra erros, falhas, delitos e crimes graves de acordo no seu jeito de ver enquadramentos e aplicação das leis.
A questão mais perturbadora é a que trata do que deveria ter sido o dilema envolvido na decisão de servidores públicos de se apropriar de dinheiro da Petrobras. O dilema arredado pelos lavajatistas, para que seguissem em frente sem conflitos que os incomodassem, se apresenta agora, quando o desembargador Salomão sintetiza o que pode ser resumido a seguir.
Como alguém, dentro ou fora do sistema de Justiça, pode achar razoável que membros do Ministério Público e do Judiciário, em missão especial, se apropriem de R$ 2,5 bilhões como se isso fosse normal?
Antes de considerar legal, ilegal ou imoral, como alguém pode achar que é razoável, que é certo, que é aceitável? Como pode existir razoabilidade no fato de que o chefe da força-tarefa da Lava-Jato, com a aval da juíza Gabriela Hardt, teve a ambição de se apropriar dessa dinheirama para criar uma fundação?
Quem, além do ministro Luis Roberto Barroso, pode considerar que essa ambição foi apenas um ato infeliz do procurador e da juíza atraída como avalista do projeto do procurador?
O procurador que caçava Lula, que induzia investigados à delação premiada, que fez um power point infantil, que cometeu mais de 40 delitos enfiados por corregedores nas gavetas de Curitiba, esse procurador era um adulto também infantilizado pela pretensão de ser o criador de uma fundação com R$ 2,5 bi de uma estatal.
Ele mesmo seria o gestor desse fundo bilionário? Quem pode considerar razoável uma ambição desse tamanho, em meio à disseminação de pregações moralistas que combatiam o ‘sistema’ e demonizavam a política como o reduto da sujeira e da corrupção?
Como alguém pode considerar razoável que um procurador, como mostram as mensagens vazadas das suas conversas, só pensasse em dinheiro? E que essa ambição chegasse ao ponto de hipnotizá-lo como o homem que iria criar uma fundação de R$ 2,5 bilhões?
Essa é a questão perturbadora posta pelo juiz relator do caso no Conselho Nacional de Justiça. Que está assim formulada no seu voto:
“Quem, em sã consciência, concordaria em destinar bilhões de reais de dinheiro público para uma fundação privada, de maneira sigilosa e sem nenhuma cautela, sendo que tais ações da reclamada, de uma maneira ou outra, culminariam na destinação do dinheiro para fins privados, o que só não ocorreu por força de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”.
Quem, em sã consciência, pode achar que altos funcionários do MP e do Judiciário, trabalhando secretamente, agiam de fato em nome da moralidade?
Quem acredita? Quem acredita mesmo na moral pregada em tom messiânico e religioso pelo procurador que quase virou um banco, com um cofre de dois bilhões e meio de reais?
Originalmente publicado no Blog de Moisés Mendes
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