Por Roberto Santana Santos*
Na noite do dia 29 de abril, o colunista Joel Pinheiro da Fonseca publicou no site da Folha de São Paulo um texto clamando para que a direita liberal no Brasil abra espaço para o que intitulou como “bolsonarismo moderado”, o qual é descrito pelo colunista como apoiadores do ex-presidente e seu programa de extrema-direita, mas que respeitariam a “democracia”.
Por “democracia” fica compreendido no texto do autor a existência de um Estado com Poder tripartido e um sistema político baseado em eleições multipartidárias. Joel Pinheiro da Fonseca se apresenta nas redes como liberal e assim é sua compreensão sobre a política e o poder: alicerçada no idealismo político onde não existem pessoas, classes, grupos e luta entre concepções distintas de sociedade e governo, mas sim, uma forma final (“fim da história?”) de Estado e participação política, onde liberalismo é sinônimo de democracia. Não se pode pensar para fora dessa caixa, no máximo aprimorá-la. Do contrário, cairíamos no pântano do autoritarismo, à direita, ou à esquerda.
O mito da “infabilidade democrática do liberalismo” é o que impede Joel Pinheiro da Fonseca e todo o establishment liberal mundial de chamar o fascismo pelo nome. Recorrem-se a mil e uma nomenclaturas: “populista de direita”, “ultraliberal”, “direita radical”, “extremista”, etc. Admitir que o fascismo está entre nós e que pode ascender ao poder por meio da própria institucionalidade vigente é quebrar o binômio liberalismo-democracia em que a devastação neoliberal dos últimos cinquenta anos se alicerça retoricamente. E para manter essa base econômica que alimenta o lucro dos 1% sobre a exploração dos 99% vale tudo, inclusive abrir os braços para o “fascismo moderado”. Uma versão atualizada do que as “democracias ocidentais” fizeram por meio da “política do apaziguamento” com Hitler e Mussolini nos anos 1920 e 1930 para que combatessem o “perigo vermelho”, seu inimigo em comum.
Para os liberais-colonialistas da classe proprietária brasileira, e a fração conservadora da classe média que a serve, inclusive nas colunas da imprensa empresarial, o “bolsonarismo moderado” é necessário, porque o autoritarismo é a sua prática política em toda nossa história. Parecem esquecer que já tentaram “moderar” Bolsonaro em 2018, quando foi a aposta bem-sucedida para evitar a vitória de Lula e do PT. Setecentos mil mortos na pandemia e algumas tentativas de golpe – das quais o 8 de janeiro foi apenas a mais explícita -, os fizeram mudar de ideia momentaneamente. Inelegível Bolsonaro, passam à criação de um novo mito, o do “bolsonarismo moderado”, que, apesar de bradar todos os dias contra o STF e de nunca terem reconhecido o ex-capitão como líder de um golpe de Estado, seriam passíveis de enquadramento nas “normas democráticas”.
Para ilustrar sua posição, Fonseca recorre a um espantalho comum utilizado por liberais: esquerda e fascismo são gêmeos do mal. Em um contorcionismo retórico, o autor tenta igualar a negação do 8 de janeiro enquanto golpe de Estado pelos bolsonaristas, a uma suposta negação da “corrupção do PT” pelos petistas. Uma tentativa de golpe perpetrada por fascistas para a instalação de um regime autoritário é igualada a um caso criminal, boa parte dele inclusive já fartamente demonstrado como uma conspiração jurídico-midiática (a qual a Folha fez parte) onde um Juiz combinava sentença com a acusação.
Ao citar movimentos “extremistas” de outros países, o IRA da Irlanda e as FARC da Colômbia, o colunista novamente recorre a um lugar comum do pensamento liberal: a falsificação da história, igualando a violência dos oprimidos com a dos opressores. Tanto o IRA quanto as FARC surgiram justamente pela falta de democracia, não contra ela. O Exército Republicano Irlandês existiu porque ingleses sempre trataram irlandeses como subumanos, a ponto de teóricos críticos apontarem a Irlanda como ensaio do processo de colonização escravocrata no qual o capitalismo mundial – e principalmente a Revolução Industrial inglesa – se alicerçou. Chamar a Colômbia de “democracia” só pode ser piada de mau gosto. Um dos países mais violentos do mundo, controlado pelo narcotráfico, onde ser membro de um partido político ou movimento social equivale a pintar um alvo em suas costas. Movimentos guerrilheiros, armados e insurgentes, “extremistas” no linguajar da direita “limpinha”, não nascem do nada. São justamente reações à falta de espaços políticos democráticos que deixam a violência como único recurso para os explorados e oprimidos. Não lutam pela “democracia”. Lutam pela sua sobrevivência porque a alternativa é o extermínio.
Da mesma forma, o projeto do fascismo é o extermínio de toda e qualquer liberdade democrática. O fascismo no poder não procurará os “liberais moderados” para formar um governo de coalizão. Procurará os “liberais assustados” que se submeterão ao fascismo para se manterem vivos. O programa do bolsonarismo é o fechamento do regime, o fim da constituição de 1988 e a adoção de um governo autoritário. Não existe versão “moderada” desse projeto. A miragem do “bolsonarista moderado” só existe porque o 8 de janeiro deu errado. Nenhum membro desse grupo, seja por adesão ideológica, seja por oportunismo, arriscaria seu pescoço numa “resistência democrática” contra o governo autoritário de Bolsonaro, Braga Netto e Heleno. Nem a Faria Lima. E, ao que parece, nem a Folha, com larga experiência no assunto desde 1964. Posturas como a de Joel Pinheiro da Fonseca dão concretude à máxima política “nada mais parecido com um fascista do que um liberal assustado”.
*Roberto Santana Santos é Professor da Faculdade de Educação da UERJ. Historiador e Doutor em Políticas Públicas.