O Senado deve votar no segundo semestre o PLC 83/2015, que prevê mudanças na Lei 9.294/96, proibindo a propaganda de bebida alcoólica nas emissoras de televisão e de rádio e demais meios de comunicação.
Um em cada três brasileiros deixou de fumar depois que o Congresso Nacional proibiu a publicidade de cigarros na TV, no final dos anos 90.
Ainda assim, em 2011 o governo gastou mais de R$ 20 bilhões no tratamento de pacientes com doenças relacionadas ao cigarro. O valor equivale a 30% do orçamento do Sistema Único de Saúde daquele ano e é 3,5 vezes maior do que a Receita Federal arrecadou com produtos derivados do tabaco no mesmo período.
O Brasil perde 7,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em decorrência de problemas relacionados ao álcool. O custo do uso abusivo de bebida alcoólica atingiu, em 2014, algo como R$ 372 bilhões.
Todo ano, motoristas embriagados matam 50.000 pessoas. As vítimas de traumatismo chegam a 500 mil pessoas. A maioria dos feridos são levados para um pronto-socorro público. Os planos de saúde não devolvem nada ao SUS. Quem paga a conta dos feridos e mutilados é o cidadão, com seus impostos.
Dilma enviou um orçamento com previsão de déficit de R$ 30,5 bilhões, o que corresponde a 0,5% do produto interno bruto do país, e pediu ajuda ao Congresso para que encontrem saídas juntos.
O governo precisa cortar sem dó seus excessos e fazer muitos ajustes, mas é importante que, assim como a corrupção, certos comportamentos não sejam mais tolerados.
Por que aumentar impostos da população e cortar certos benefícios sociais se existem alternativas que podem beneficiar a todas as classes sociais?
Fazendo uma conta rápida, dá para ver onde economizar bilhões, salvar milhares de vidas e ainda ter um bom troco para investir em prevenção e educação, assim como aconteceu com o cigarro.
Os dois maiores adversários de uma decisão corajosa e responsável do Congresso para evitar o desperdício inestimável de vidas e de dinheiro são, pela ordem: o modelo de financiamento de campanhas eleitorais e o regime de concessão de rádio e TV.
No primeiro caso, várias carretas lotadas com R$ 242 milhões foram entregues pela indústria de bebidas para 76 deputados de 16 partidos nas últimas eleições.
Somente Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, recebeu sozinho um caminhãozinho com mais de 1 milhão de uma empresa da Ambev.
O financiamento de campanhas de políticos deixa evidente que os interesses de algumas empresas são opostos aos interesses da população e do país.
No segundo caso, a indústria de bebidas despeja anualmente mais de 4 bilhões de reais em publicidade em emissoras de rádio e TV e estima-se que mais de 80 senadores e deputados possuem centenas de concessões de rádio e TV espalhadas em todo pais. Os congressistas são parte deste negócio bilionário.
O Ministério da Saúde, a OMS (Organização Mundial de Saúde) e centenas de organizações não governamentais são radicalmente contra qualquer publicidade de cerveja na TV.
A opinião pública, diferentemente do que aconteceu com o cigarro, ainda não está ciente da relação direta entre a publicidade de cerveja e as tragédias urbanas com acidentes de carros, especialmente com os jovens.
As grandes empresas de comunicação silenciam sobre este tema. Há, inclusive, a regra interna de uma grande emissora de TV de jamais mostrar latas de cerveja em reportagens a respeito de acidentes automobilísticos.
A ABERT, Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, atua fortemente para manter seu território, as agências de publicidade lucram com as comissões das emissoras e o Conar, Conselho Nacional de Auto Regulamentação Publicitária, que reúne empresários de comunicação, alega que qualquer restrição a publicidade de bebidas seria “bullying” da liberdade de expressão (sic).
A consequência do atual estado de coisas é que as empresas de bebidas e de mídia ampliam seus lucros enquanto os cidadãos ficam com o ônus dos problemas de saúde e pagam sozinhos uma conta cada vez mais alta, em todos os sentidos.
Cada um faz suas escolhas, não se está discutindo no Congresso o direito de beber ou fumar, nem proibir seu uso. Mas estimular o consumo de álcool, da forma como a publicidade faz na TV e no rádio, não falar abertamente sobre isso e nem tentar impedir esta epidemia de mortes, é uma covardia sem fim e uma falta de amor ao próximo — além de não ajudar em nada a economia do país.