Brasil, a novela (atenção: contém spoilers). Por Mauro Donato

Atualizado em 15 de setembro de 2015 às 14:21

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Não gosto de novelas. Nunca gostei. Elas são extremamente previsíveis.

Uma fatia da população, no entanto, não pensa assim e acompanha os folhetins com uma atenção que jamais dispensaram na sala de aula. Daí que não me espanta o sucesso que fazem as publicações de spoilers em jornais e revistas. Elas antecipam o que irá acontecer e mesmo assim as pessoas ainda vão lá conferir pois não conseguem enxergar o que se passa debaixo de seus narizes.

Entusiasmado com a perspectiva de sucesso, irei então cometer spoiler de uma novela que está andamento. Como todas as outras, repleta de obviedades, mas o espectador é pouco ligado nos sinais. Não me perguntem o nome da novela pois como disse não sou muito afeito, não me lembro direito. Alguma coisa com “Avenida Paulista” ou “Salvador da Pátria”, não lembro.

Cronologia dos próximos capítulos:

  • Hoje, 15 de setembro, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, começará a examinar 13 pedidos de impeachment. Pelo que tem dito nos corredores, deverá rejeitar a maioria e manterá em fogo brando os demais. Aquele de maior apelo emblemático para a oposição, protocolado pelo ex-petista Helio Bicudo, será a principal peça na mesa de Eduardo Cunha pelos próximos dias;
  • No dia 24 de setembro – daqui a nove dias – o programa do PMDB vai ao ar logo antes do Jornal Nacional e dirá que “O Brasil está pronto para acertar as contas com a verdade.” A mensagem não é nem subliminar, só não entenderá quem não quiser. Com Michel Temer puxando uma fila que terá Paulo Skaf e companhia, uma das falas já gravadas será de Pezão (governador do Rio que só se reelegeu por conta do apoio de Dilma pois Sergio Cabral tinha largado o osso com índice pavoroso de popularidade);
  • A estratégia dos dirigentes pró-impeachment será então questionar pelo menos uma das recusas de Eduardo Cunha para o pedido de abertura do procedimento. Isso obrigará submeter o processo ao plenário;
  • O plenário aprovará o recurso, com margem apertada, mas aprovará;
  • Dilma terá que apresentar defesa e todo este processo deverá levar aproximadamente 30 dias. É o tempo que os roteiristas da novela também levarão para carregar ainda mais nas tintas;
  • Como deliberou, no capítulo de ontem, um corte de 26 bilhões de reais, aumento de impostos e colocou o pé no freio em programas sociais, movimentos sociais e sindicais até então compreensivos com Dilma e descontentes com o choque de austeridade colocarão a boca no megafone;
  • No dia 5 de outubro, dia mundial dos sem teto, os movimentos por moradia farão imenso barulho pelas alterações no Minha Casa Minha Vida;
  • Todo esse plano-sequência estará próximo do desfecho lá pelo dia 15 de novembro (coincidentemente um feriado com manifestações patrióticas agendadas), quando o movimento pró-impeachment terá um apoio popular maior devido a um providencial aumento de demissões justificadas pela nota especuladora da Standard&Poor’s (aquela entidade que lá no começo da novela, quando o protagonista era outro, havia dado sinal verde para investidores mas foi então avaliada pela mídia como uma agência sem credibilidade);
  • Na mesma data, o abaixo-assinado organizado por deputados estará batendo na casa dos milhões de assinaturas (afinal na plataforma change.org é possível uma mesma pessoa votar várias vezes) e o povo ficará sensibilizado com essa notícia sendo levado a entender que não adianta ir contra a maré;
  • Em paralelo, Lula entrará (aliás já entrou) numa linha de tiro de artilharia mais pesada da Polícia Federal e do STF. Embora uma ação nada tenha a ver com a outra, aos olhos e ouvidos do povo embriagado pelo discurso de moralidade, a mídia colocará tudo num único balaio;
  • O número de editoriais veiculados nas primeiras páginas dos jornais (alguns com faixas simulando luto) se intensificará.

Com um spoiler desses não é possível que o espectador ainda não tenha presumido o fim. Assim como Odete Roitman, a personagem principal sairá de cena. Quando? É ainda algo a definir, as novelas se desenvolvem conforme a resposta da audiência e a exposição dos anunciantes. Esticar a trama muitas vezes nada tem a ver com “desconstrução do personagem” e sim com interesses outros.

Mas a protagonista cairá muito em breve, talvez em novembro mesmo, afinal como já afirmou o jurista Ives Gandra Martins (paradoxalmente o mesmo cujo parecer é e continuará a ser um dos mais citados até o final da novela), “impeachment é um processo muito mais político do que jurídico”. Portanto, alguém mais tem dúvidas?

O último capítulo será aquele costumeiro, em que tudo se resolve. As forças políticas de sempre retomam seus lugares (sabe os coadjuvantes PMDB, PSDB, DEM? Aqueles que puxaram os gritos moralistas e que votaram pela continuidade do financiamento empresarial nas campanhas eleitorais, então…) e o povo estará livre da corrupção. Livre! E viverá feliz para sempre.

Entra um vídeoclipe com imagens de manifestantes vestindo verde e amarelo e uma música do Cazuza, ou da Legião Urbana, ou mesmo quem sabe de Fabio Júnior. Em fade in, surge o letreiro FIM.