Carlos Nobre: Brasil corre o risco de ser um país “arrasado por desastres naturais”

Atualizado em 17 de maio de 2024 às 22:54
Carlos Nobre de óculos, falando e gesticulando
“É hora da ciência”, avalia Carlos Nobre

O climatologista Carlos Nobre, considerado referência internacional em aquecimento do planeta, deixou um alerta: “Ou o Brasil muda ou nos tornaremos um país arrasado por desastres naturais”. O especialista argumenta que o país não pode deixar de aprender com a tragédia que assolou o Rio Grande do Sul para mudar os rumos do cenário catastrófico que se pode prever devido às mudanças climáticas.

Em entrevista à IstoÉ, o pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP e membro do Painel Global de Sustentabilidade destaca a necessidade de proteger as matas, que reduzem em até 30% o efeito nocivo das enchentes e defende as transições do agronegócio para um modelo agropecuário regenerativo. Para ele, “é hora da ciência”:

O fato de o Rio Grande do Sul ter se desenvolvido como economia agrícola alterou a natureza a ponto de chegar à situação extrema?

Totalmente. O Rio Grande do Sul é um dos estados com menor índice de vegetação natural – 50% é mata atlântica, uma parte é os pampas. O desmatamento acabou com mais de 80% da mata atlântica no estado. Quando há chuva intensa sem árvores, o solo está compactado com pastagem da agropecuária, culturas agrícolas. Quando chove muito satura o solo, a água não penetra mais, aquilo tudo corre e enche os rios num nível muito mais alto do que se você mantivesse a floresta. Se os ecossistemas estivessem mais preservados, mesmo com chuvas recordes, o nível de inundação diminuiria de 20 a 30%. (…)

Como proteger o clima na economia brasileira, baseada na produção de matéria-prima?

Modernas tecnologias na energia, agricultura e em todos os outros setores. Elas mostram soluções para reduzir as emissões, tornar a agricultura e a pecuária mais resilientes a esses eventos extremos. As áreas modificadas para agricultura regenerativa, onde há uma agropecuária mais sustentável, não chegam a 10%. É muito pouco. A agricultura e a pecuária regenerativas usam uma área muito menor e são mais produtivas e lucrativas. Resistem melhor aos eventos extremos. Esse é o caminho. No setor de energia a transição também é pequena. Mais de 80% do consumo do mundo ainda é fóssil. Um risco muito grande.

Cidade do Rio Grande do Sul inundada
Pesquisador diz que Brasil tem que aprender com tragédia que assolou o RS – Jeff Botega/Agência RBS

Como o Brasil caminha nessa área?

Nós estamos indo devagar para vencer o grande desafio da humanidade que é reduzir as emissões. Esses eventos extremos não têm mais volta. Temos que tornar os sistemas em que vivemos algo para nós mesmos, nossa saúde, sobrevivência e melhoria da produção de alimentos e manutenção da biodiversidade através de uma série de atitudes. Precisamos também de sistemas de alerta mais efetivos. Já melhorou, porque os eventos de setembro e de agora no Rio Grande do Sul foram anunciados com muitos dias de antecedência, com a previsão de riscos passada para as defesas civis.

O que falta?

As defesas civis ainda estão pouco preparadas. Precisam melhorar muito. A gente sempre compara com o Japão. É um país de inúmeros terremotos, não existe previsibilidade, o terremoto é previsto na hora em que começa. E aí todo mundo, desde a escola, foi educado para saber o que fazer nos terremotos. A infraestrutura de rodovias, tudo está mais resiliente. No Brasil esses eventos extremos são previstos com pelo menos três dias de antecedência. A defesa civil precisa ir imediatamente até as áreas de risco e tirar as populações. Precisamos de sirenes de alerta e ações para que os brasileiros sejam alojados com alimentos, medicamentos e água. Hoje todo mundo se comunica com celulares, mensagens, mas veja em quantas cidades do Rio Grande do Sul acabou a eletricidade e a internet. A população precisa ser capacitada para saber onde ir.

Como o senhor vê o negacionismo diante das previsões científicas?

É muito preocupante. Já foi menor no Brasil, mas cresceu por causa do populismo político de extrema direita, e às vezes até de extrema esquerda. Negam a ciência, os eventos climáticos e não incentivam os investimentos que têm que ser feitos para reduzir mortos e prejuízos em desastres. Acho que valeria a pena perguntar aos que ficaram nas casas se não saíram porque tinha outros familiares idosos, estavam com medo de ladrões ou porque não acreditam em mudança climática. Acho que negacionistas são pessoas de mais alta renda, que não moram ems áreas de altíssimo risco. (…)

Quais as outras regiões sensíveis aos eventos extremos no País?

Todos os estados. Tivemos, no ano passado, em São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, a maior chuva da história do Brasil, com 600 milímetros em 24 horas, que matou 64 pessoas. Esses eventos acontecem na região serrana do Rio, quase 330 milímetros em 24 horas. No Espírito Santo, mais de 30 pessoas morreram. Não tem jeito: vai ser no mundo inteiro. (…)

Como vem se comportando o poder público em relação às mudanças necessárias?

Não se ajustou. A primeira política de adaptação foi publicada em 2016 e pouquíssimo em orçamento foi implementado. O Brasil se compromete mais com redução das emissões em 50% zerando o desmatamento até 2030. Pouquíssimos países no mundo que vão ter esse sucesso, mas adaptação é baixíssima. Depende do governo federal e também das defesas civis municipais, com investimento que não acontece por conta dos políticos que estão no Congresso, assembleias e câmaras municipais. Não é o caso de Lula, que é muito preocupado com isso. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, não se diz negacionista, mas depois do evento horrível que matou 54 pessoas no ano passado, na bacia do rio Taquari, não aumentou o orçamento para 2024 para proteger a população. Isso é muito ruim. Ou o Brasil muda ou nós nos tornaremos um país arrasado por esses desastres naturais.

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