“Assassino escolar”: neonazista preso por planejar ataque a colégio em SP é solto e volta às aulas

Atualizado em 28 de maio de 2024 às 23:47
“Falange Nacional”, um dos grupos de WhatsApp frequentado por adoolescentes neonazistas e identificado pela polícia (crédito: reprodução)

 

O adolescente P. R. de C. R., internado no último dia 13 de março, após a polícia reconhecer sua participação nos preparatórios de um ataque mortal à escola onde estudava, em São José dos Campos (SP), foi posto em liberdade pela Justiça de São Paulo no último dia 8.

É o que mostram os autos do processo TJ-SP 2125114-75.2024.8.26.0000, corrente (sob sigilo de Justiça) na 2ª Vara Criminal da comarca de Jacareí, aos quais o DCM teve acesso.

Os documentos mostram também que, segundo os policiais responsáveis pela investigação, o jovem fazia parte de grupos de WhatsApp e Telegram de apoio ao nazismo e glorificação da figura de Adolph Hitler, além de fóruns de debate e troca de imagens sobre violência extrema, mutilação humana e tortura em animais.

Por meio desses ambientes, o adolescente teria conhecido as pessoas com quem passou a planejar um ataque à própria escola onde estudava, e para qual está voltando agora ao convívio. Veja, abaixo, as principais ações ilícitas cometidas pelo jovem de 16 anos apontadas pela Polícia Civil de São Paulo.

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Organização de grupos nazistas

De acordo com relatório policial, o adolescente, “ao menos dentre o período compreendido entre janeiro e abril de 2024, por meio eletrônico, na Rua XXXXXX (endereço retirado pela reportagem), na cidade e comarca de Jacareí/SP, teria incitado, publicamente, a prática de crime.”

Segundo a polícia, o jovem “constituiu, organizou, integrou e manteve organização paramilitar com a finalidade de praticar crimes, incitando a discriminação ou preconceito decorrente de procedência nacional, bem como veiculou símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.”

Na sequência dos fatos narrados em relatório policial, evidencia-se por que o caso foi registrado na Justiça como “Crime Contra a Segurança Nacional, a Ordem Política e Social” (os destaques foram inseridos pela reportagem):

“Por fim, ao menos dentre o período compreendido entre janeiro e abril de 2024, por meio eletrônico, na Rua XXXX, na cidade e comarca de Jacareí/SP, teria realizado atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar o delito, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito, com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa e a paz pública.”

 

Jovem assumiu o nome de “Assassino Escolar”

Pelo apurado, o adolescente decidiu constituir e integrar organização paramilitar ou grupos diversos por meio do aplicativo Telegram, fazendo uso dos seus telefones e notebook, todos apreendidos pela polícia e devidamente periciados:

“O Relatório de Inteligência fornecido pelo Centro de Inteligência Cibernética da Divisão de Crimes Cibernéticos do DEIC/SP, teria identificado que P. manteve conversação com outras pessoas acerca de atentados em unidades escolares.

Tal relatório ainda destaca menções ao incentivo e organização de atos contra a vida de estudantes, cometidos entre 1999 a 2022, evidenciando que o adolescente teria alterado o seu nome de perfil em uma rede social para school shooter (atirador ou assassino escolar, em tradução livre).”

 

Polícia o encontrou pesquisando filme sobre chacina em escola

Em março deste ano, as investigações levaram a polícia à casa do jovem, que morava com sua mãe, que teria permitido a entrada dos agentes em sua casa. Lá chegando, os investigadores encontraram o adolescente pesquuisando sobre filme “Zero Day”, a respeito de uma chacina em uma escola dos Estados Unidos, em que dois aolescentes matam 12 alunos e depois se suicidam.

“Dois garotos, uma escola”: adolescente pesquisava filme sobre chacina escolar quando foi apreendido pela polícia (crédito: divulgação)

O relatório a que o DCM teve acesso aponta quais foram as perguntas feitas ao jovem pelos policiais, bem como suas respostas:

“Questionado, o adolescente, informalmente, admitiu que mantinha diálogos sobre um atentado em sua escola com outras pessoas, nas redes sociais.

Os aparelhos eletrônicos foram acessados, inferiu-se diálogos que traduzem a intolerância contra pessoas homossexuais e asiáticas, a necessidade de atos de vingança em decorrência da vitimização por bullying, além de referências fotográficas e vídeos relativos a atentados contra escolas.”

Assim, o adolescente foi encaminhado à Delegacia de Polícia, ocasião em que relacionou o seu envolvimento em tais grupos e diálogos como um meio para “extravasar os efeitos da prática de bullying que sofrera, bem como para o fim de trocar informações acerca de tais fatos de conteúdo histórico.”

Confrontado com o que constava em seu próprio celular, o adolescente “disse que instalou o símbolo do nazismo no celular, pois gostava do assunto, mas não simpatiza com o nazismo”. Falou também sobre os grupos de violência extrema de que participava pelos aplicativos de celular:

“Disse que participava de grupos que conversavam sobre atentados e massacres, mas, no final do ano, ficou apenas com os dois grupos que criou no Telegram, pois estava tentando mudar e nesses grupos havia muita divulgação de conteúdo violento com pessoas e animais mutilados, por exemplo, isso estava alterando seu psicológico e o tornando uma pessoa ruim.

Disse que em momento algum teve a intenção de realizar um ataque, mas chegou a pensar em acabar com a própria vida, em 2023, e que segue com pensamentos suicidas, porém em menor intensidade.”

Enquanto o adolescente foi mantido apreendido cauterlamente, sua mãe conversou com o Ministério Público, a quem disse que, desde os 12 anos de idade, “não conseguiu mais que ele estudasse e, como alternativa, buscou um emprego para o filho”.

De março até este mês, o adolescente foi mantido longe do convívio social, custodiado em uma unidade da Fundação Casa, para menores infratores.

Em manifestação no processo, o MP-SP recomendou à Justiça que enviasse o adolescente para uma internação em clínica judicial, sem permitir sua volta ao convívio social. Argumentou o Ministério Público:

“O adolescente possui 16 anos, ainda é possível auxiliá-lo em seu desenvolvimento sadio, bem como afastá-lo do meio pernicioso em que se encontra, sendo a internação a medida socioeducativa cabível para tanto, rememorando que os responsáveis legais não conseguiram impedir a inserção, o acesso a conteúdo inadequado e criminoso pela internet pelo adolescente.”

Ainda assim, no dia 8 deste mês, o juiz Claudio Teixeira Villar, da 2ª Vara Crminal de Jacareí, decidiu pela soltura do adolescente, que agora pode voltar à escola que estaria planejando atacar.  Conforme a decisão do magistrado, a que o DCM também teve acesso, não é possível afirmar que o adolescente estivesse de fato disposto a cometer um ataque terrorista em sua antiga escola:

“Trata-se de pessoa afastada dos bancos escolares, relatando ideias suicidas, aparentemente não
demonstrando vínculos com o meio social ou sua comunidade local. Contudo, sem descuidar da gravidade dos fatos aqui trazidos, por ora, os elementos de informação carreados aos autos mostram-se frágeis a ensejar a internação provisória do adolescente.”

Assim, o jovem está de volta às ruas e, eventualmente, às escolas que quiser visitar. Para evitar maiores riscos, o juiz Teixeira Villar determinou “a intensificação da ronda escolar em todas as unidades de ensino já frequentadas pelo agravado, bem como a pronta disponibilização de acompanhamento psicológico ao adolescente.”