A história kafkiana do brasileiro processado por doar R$ 60 a seus candidatos. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 16 de outubro de 2015 às 10:13

kafka

 

Lucas Mourão é um advogado do Rio de Janeiro que tem uma excelente história para contar sobre o financiamento das campanhas eleitorais, a perversidade da burocracia e as belezas nacionais.

Lucas está sendo processado pelo Ministério Público Eleitoral por ter doado a fabulosa quantia de 60 reais para seus candidatos do PSOL.

Ele teve seu sigilo fiscal quebrado e, para elaborar a defesa, se viu obrigado a juntar extratos bancários de todo o ano de 2013 para provar que teve renda maior que 50 reais por mês.

Kafka abre assim seu romance “O Processo”: “Alguém devia ter caluniado Joseph. K, pois sem que ele tivesse feito qualquer mal foi detido certa manhã”.

O Brasil não é para principiantes.

 

Abaixo, o relato de Lucas:

Em 2014 eu participei, com muito orgulho, das campanhas dos queridos Jean Wyllys e Tarcísio Motta.

Fiz campanha de maneira voluntária, com o tempo que tinha, sempre com um punhado de panfletos e adesivos na bolsa e no peito e, obviamente, sem receber nenhum real.

Muito pelo contrário, sabedor no “modus operandi” do PSOL de fazer campanha – sem receber dinheiro de empresas – fiz questão de contribuir financeiramente com essas duas campanhas. Doei 40 reais para a campanha do Jean e 20 reais para a campanha do Tarcísio. Era o que eu podia dispor naquele momento.

Essas campanhas foram financiadas apenas por módicas doações de milhares idealistas como eu.

Proporcionalmente, foram duas das campanhas mais baratas do país e ambas saíram inquestionavelmente vitoriosas. Eduardo Cunha, por exemplo, ~arrecadou~ cerca de 7 milhões de reais (!!!) com financiamentos de bancos – inclusive do banco suíço do qual ele hoje é acusado de ser cliente -, empreiteiras e toda sorte de grandes empresas.

Agora é que vem a parte bizarra da história: o Ministério Público Eleitoral está me processando (e a muitos outros!) por ter doado esses benditos 60 reais! Isso porque a lei eleitoral só permite doações de pessoas físicas até o limite de 10% dos rendimentos no ano anterior à doação…

Fazendo as contas, o MP chegou à genial conclusão de que eu, no ano anterior à doação (2013), tive rendimento bruto menor a 50 reais por mês! hahaha

Os caras, grandes pensadores juristas brasileiros, chegaram a essa conclusão porque, ao quebrarem meu sigilo fiscal (!) perceberam que eu era isento do Imposto de Renda, logo, concluíram que eu não havia tido rendimento NENHUM em 2013 e, portanto, não poderia doar nada pra nenhuma campanha eleitoral…

Evidente que elaborei a minha defesa, fui obrigado, pelos fatos, a anexar meu extrato bancário de todo o ano de 2013 para provar que eu havia tido renda maior do que 50 reais por mês, expliquei para o ilustre “parquet” que um sujeito isento do IR pode doar até 10% do limite da isenção, e fiquei absolutamente seguro de que o Ministério Público Eleitoral entenderia a patacoada que estava fazendo e pediria o arquivamento do processo imediatamente.

Maaas, tan tan tan taaaaan, o ilustre Ministério Público pediu a minha condenação! HAHAHAHA Por doações legais que somam 60 pratas, HAHAHAHHAHA! O que há na cabeça desses caras?

Em conversa reservada com um serventuário, ele me disse que o MPE está processando muita gente na mesma situação porque acha suspeito “que um partido pequeno tenha arregimentado tantas doações de ~pessoas normais~.”

Tá explicado.

 

Lucas
Lucas