Esses tais “Diários da Presidência” foram bolados para que Fernando Henrique Cardoso possa, ainda em vida, usar o espaço decrépito da velha mídia para tentar se projetar como estadista – e não como o triste golpista cercado de reacionários em que se transformou.
Mas, apesar de os quatros livros anunciados se anunciarem, também, como lengalengas intermináveis sobre o cotidiano de FHC, alguma aventura há de se extrair das elucubrações do velho ex-presidente do PSDB.
A primeira delas, referente à confissão de que, em 1996, FHC soube dos esquemas de corrupção da Petrobras, mas nada fez, é extremamente emblemática.
Eu era repórter, à época, do saudoso Jornal do Brasil, cujo alinhamento com o governo era permanente, mas sutil. Diferentemente de O Globo, por exemplo, que só faltava detalhar as partes íntimas das autoridades federais, a fim de excitar os idólatras que lhes frequentavam as páginas. Padrão semelhante se espalhava por todas os demais veículos de comunicação, à exceção honrosa da CartaCapital – que, por isso mesmo, era mantida à distância de verbas oficiais de publicidade, porque é assim a “democracia” tucana.
Havia, portanto, uma blindagem geral em relação ao governo federal, tanta e de tal monta, que em um dos famosos grampos do BNDES, pelos quais foi possível entender como o PSDB montou o esquema criminoso de privatização de estatais, FHC mostrava-se assustado com tanto apoio.
Em uma das fitas dos grampos, o então ministro das Comunicações, Mendonça de Barros, diz a FHC: “A imprensa está muito favorável, com editoriais.”
Do outro lado da linha, o presidente tucano responde, galhofeiro: “Está demais, né? Estão exagerando, até.”
E bota exagero nisso. Nessa mesma época, a TV Globo mandou para o exílio europeu a jornalista Miriam Dutra, supostamente grávida de FHC, uma estratégia que iria deixar o presidente da República, até o último dia de seu segundo mandato, refém absoluto da família Marinho.
Mais tarde, o mundo ficaria sabendo que o filho da jornalista sequer era de Fernando Henrique.
O tucano fora vítima de uma fraude, um golpe da barriga ao contrário.
Mas é ainda confiante nessa blindagem, nesse descaramento editorial que se transferiu integralmente com os tucanos para a oposição, que FHC se dá ao desfrute de confessar absurdos como este, da Petrobras.
Sabe que, apesar de ter admitido um fato criminoso e moralmente inaceitável, terá o noticiário a seu lado, nem que seja por omissão.
Mas, dessa inusitada confissão, surge um questionamento moral e ético mais profundo.
Em abril, em nota amplamente divulgada na imprensa, FHC mostrou-se apoplético com declarações da presidenta Dilma Rousseff sobre, justamente, acusações de delatores da Operação Lava Jato dando conta da corrupção na Petrobras, durante os governos tucanos.
Exatamente o que, agora, Fernando Henrique confessa, em seus diários.
Assim escreveu FHC:
“Trata-se [a corrupção na Petrobras] de um processo sistemático que envolve os governos da presidente Dilma (que ademais foi presidente do Conselho de Administração da empresa e ministra de Minas e Energia) e do ex-presidente Lula. Foram eles ou seus representantes na Petrobras que nomearam os diretores da empresa ora acusados de, em conluio com empreiteiras e, no caso do PT, com o tesoureiro do partido, de desviar recursos em benefício próprio ou para cofres partidários”.
Ou seja, escreveu isso mesmo sabendo que os esquemas tinham sido iniciados no governo dele. E, ainda assim, nada fez.
Foi um covarde.
E, agora, ao revelar-se como tal, tornou-se um hipócrita.
Por isso, algo me diz que esses diários irão, muito em breve, para o lixo da História.
Como, de resto, o próprio FHC.