Certas atitudes são tão baixas que são elevadas. Ou tão elevadas que são baixas. Ou tão lindas que são horríveis. Ou tão horríveis que são lindas.
É o paradoxo da vida.
Para mim, a atitude de Suplicy diante do comportamento indecente da Livraria Cultura foi tão lindo que foi horrível.
Ele ofereceu a outra face, cristãmente, depois de receber uma bofetada de uma livraria que permitiu a um grupo de desordeiros que o agredissem moralmente.
Mas eis um momento em que não faz nenhum sentido oferecer a outra face. Para lembrar uma grande sentença bíblica contida no Eclesiastes, há um tempo para cada coisa.
Há um tempo para florescer e há um tempo para murchar. Um tempo para nascer e um tempo para morrer.
E há um tempo para oferecer a outra face e um tempo para devolver a bofetada.
Não estou dizendo que Suplicy deveria se atracar com a desequilibrada que comandou os analfabetos políticos que o insultaram.
Muito menos que ele deveria queimar os livros da Cultura.
Mas isentar a livraria de culpa?
Ora, não há sentido nenhum nisso. A Cultura foi, sim, culpada por não garantir a integridade física de Suplicy.
Foi, também, culpada por permitir que celerados perturbassem a paz dos cidadãos de bem que foram procurar livros em suas dependências numa manhã de sábado.
E deve ser cobrada por tudo isso.
Dado o avanço nas hostilidades de grupos de extrema direita, reações enérgicas se impõem.
Mantega deve ser aplaudido, por exemplo, por ter intimidado judicialmente os dois homens que o perturbaram num restaurante de São Paulo.
Eles tiveram que se retratar. Também tiveram que procurar e pagar advogado. Receberam de volta o aborrecimento que provocaram.
É assim que deve ser.
É improvável que outras pessoas voltem a incomodar Mantega num restaurante.
Tenho citado com frequência um jurista alemão do século 19 chamado Rudolph von Ihering. Ele, num livro clássico, consagrou a tese de que buscar reparação é, mais que um direito, uma obrigação da pessoa diante da sociedade.
Você protege não apenas a si mesmo como a outras potenciais vítimas de ataques que você tenha sofrido.
Considere Lula.
Quando ele processa um jornalista que o caluniou, ele está mandando uma mensagem clara. Este jornalista vai pensar muito antes de voltar a caluniar alguém.
As reações de simpatizantes de Suplicy mostram o quanto ele errou o ponto.
Virtualmente ninguém aprovou seu gesto.
Há uma expressão em alemão chamada Zeitgeist, o espírito do tempo.
Suplicy não captou o espírito do tempo.
Definitivamente, não é hora de oferecer a outra face porque uma nova bofetada, ou coisa pior, virá.