Em nenhum outro lugar do mundo se pratica o jornalismo paranormal de fofoca política como no Brasil. Somos um fenômeno.
A novela do “desentendimento” — ou “estranhamento”, ou “briga”, o que o freguês preferir — entre Dilma e Lula por causa da Operação Zelotes vem ganhando contornos inéditos de elucubração.
Os verbos no condicional foram simplesmente extintos. “Interlocutores” relatam coisas incríveis. “Fontes do alto escalão” aparecem do nada. Tudo é absolutamente permitido em relação a essa dupla.
Como Lula e Dilma não falam com essas publicações, resta apelar para o terceiro ou quarto escalões, eventualmente. Pessoas que ganham prestígio, ou acham que ganham, passando informação chutada adiante. Quando nem isso existe, a saída é inventar.
A comemoração de 70 anos de Lula em seu instituto foi um grande momento dessa vertente jornalística. O título da matéria da Folha: “Sentados à mesma mesa, Lula e Dilma pouco conversam em festa”.
Ora, era um aniversário. Havia em torno de quatro dezenas de convidados. A não ser que se trate de um doente, qualquer sujeito tem de tentar dar atenção a quase todos.
De acordo com “interlocutores”, eles não falaram de política (!). Realmente, um absurdo. Na quinta, dia 29, Lula foi jantar no Palácio da Alvorada. Para o Estadão, que ouviu — olha eles aí — “interlocutores do ex-presidente”, a ideia é baixar “a tensão que se instalou entre os dois desde segunda-feira, quando a Polícia Federal cumpriu uma ordem de busca e apreensão nas empresas de Luís Cláudio”.
Lula, evidentemente, não está contente com o que ocorreu com o filho. Dilma também não. Entre essas duas constatações há um abismo onde roda uma máquina de futrica.
O Globo deu que “mulher de Lula está com ódio de Dilma e de José Eduardo Cardozo”. Em circunstâncias normais, o sujeito se perguntaria: “Publico ou não uma imbecilidade dessas? Estou na Contigo?”
Como não estamos em circunstâncias normais, a ordem é mandar brasa. E, nessa seara da mistificação, poucos nomes são tão representativos quanto o do colunista Ricardo Noblat.
Durante a eleição passada, Noblat foi o cronista da guerra entre dilmistas e lulistas, errando praticamente tudo. Depois do pleito, deu como verdadeiro um boato de WhatsApp sobre a agressão de Dilma a uma camareira. A pobre mulher teria sido atingida por cabides num acesso de fúria da presidente.
Há dias, Noblat escreveu que “entre petistas de alto calibre e ministros do governo, circula a informação extraída de uma pesquisa de opinião pública mantida sob segredo onde ficou comprovado: a maioria dos brasileiros não reagiria negativamente a uma eventual prisão de Lula por conta das investigações da Lava-Jato”.
Se tanta gente viu a pesquisa, não é mais secreta. Mas vamos adiante: “É isso o que tem aumentado o nervosismo de Lula. Ele está com medo até de dormir em casa”. Ao que se saiba, Noblat não está dividindo uma casa, que dirá uma cama, com Lula. Pode ser uma fixação homoerótica.
O truque é terrivelmente banal: Dilma não vai à festa de Lula; como ela foi, era na verdade uma tentativa de aproximação; eles mal trocaram palavra; como ele foi a Brasília no dia seguinte, era na verdade mais uma tentativa de aproximação.
E assim vai caminhar essa miséria por muito tempo. Vale tudo para confirmar uma especulação alimentada por “interlocutores” para comprovar uma tese previamente acertada.
No caso de Lula e Dilma, seria muito mais honesto dispensar repórteres e editores e substituí-los pelos roteiristas de Dez Mandamentos. O resultado seria o mesmo. Quem sabe, um pouco menos idiota.