O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), estabeleceu um novo recorde no número de proposições que receberam regime de urgência no Congresso. Essa ferramenta acelera o processo legislativo, permitindo a votação diretamente no plenário e impedindo as discussões em comitês.
Segundo levantamento feito pelo jornal O Globo, 77 requerimentos foram votados em 2024, o maior número para o primeiro semestre em 22 anos, com apenas dois rejeitados. Esse volume representa um aumento de 48% em comparação ao mesmo período de 2023.
Lira tem utilizado o regime de urgência para pressionar o governo e conquistar apoio entre parlamentares da oposição, de olho na disputa por sua sucessão em fevereiro do próximo ano. Ele busca eleger um aliado e, para isso, tenta angariar suporte tanto do Palácio do Planalto quanto do PL, partido com a maior bancada na Câmara. Procurado, Lira não quis se manifestar.
Um exemplo recente dessa estratégia foi a aprovação do requerimento de urgência para o projeto que equipara o aborto a homicídio quando realizado após a 22ª semana de gestação. O texto, apelidado de “PL do estupro” e defendido por bolsonaristas, foi aprovado em votação simbólica, sem registro nominal dos votos dos deputados.
Na prática, a aprovação da urgência esvazia as comissões temáticas, onde os projetos são debatidos com mais tempo e profundidade, reduzindo o tempo de discussão de leis e emendas constitucionais. Ainda sobre o PL 1904/2024, que mudaria as regras para o aborto, apresentado pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), não foi discutido em nenhuma comissão da Casa. Sem a urgência, a proposta teria que ser analisada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), responsável por avaliar a constitucionalidade dos projetos.
O aumento no número de urgências também reflete a quantidade de requerimentos apresentados pelos parlamentares. Até a metade de 2024, foram registrados 173 requerimentos, um número superado apenas em 2020, quando houve 291 pedidos devido à pandemia.
Uma análise desses requerimentos mostra que tanto o Palácio do Planalto quanto lideranças de esquerda utilizaram o mecanismo para acelerar propostas de seu interesse. Das 77 urgências aprovadas, apenas 11 foram apresentadas por deputados do PT.
José Guimarães , líder da bancada governista, costuma pedir urgência para projetos prioritários para a gestão Lula, como a taxação na compra de produtos importados e a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até dois salários mínimos. Temas semelhantes foram tratados com urgência dois anos atrás, quando Lira buscava apoio para sua reeleição como presidente da Câmara, incluindo a criação do Dia Nacional do Cristão e a urgência do Piso da Enfermagem.
Os acordos para aprovar urgências são geralmente feitos nas reuniões do colegiado de líderes, sem compromisso com o mérito das propostas. Isso facilita acordos entre deputados, que concordam em acelerar projetos que podem ser contestados posteriormente. Governistas e oposicionistas concordam que a sociedade perde quando um projeto vai diretamente ao plenário sem passar pelas comissões.
“O instrumento da urgência é relevante, mas acabou banalizado, o que diminui o debate político e reduz a participação dos parlamentares nos temas da Casa”, afirmou o deputado Danilo Forte (União-CE) ao Globo. Já Chico Alencar (PSOL-RJ) acredita que Lira facilita o “trator” de maiorias eventuais ao levar os temas diretamente ao plenário. “O furor das urgências causa grande prejuízo para o bom processo legislativo”, disse Alencar.
Por outro lado, alguns deputados e líderes com influência na Câmara defendem o aumento das urgências como uma forma de dar mais atenção e celeridade às pautas. Alberto Fraga (PL-DF), presidente da Comissão de Segurança Pública da Casa, defende o mecanismo, embora reconheça excessos em seu uso. “Para determinados projetos a urgência é muito importante, mas a quantidade de urgências que temos aprovado é uma loucura”, afirmou Fraga.